Título: Vingança e política
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 10/07/2005, O Globo, p. 2

do deputado Renildo Calheiros a curiosa teoria de que a traição e a vingança têm um papel salutar na política. Na medida em que abrem ao perdedor a chance de um acerto de contas no futuro, acabam funcionando como amortecedores de conflitos que, do contrário, acabariam sendo resolvidos pela violência. A vingança vem movendo muito a política brasileira, mas infelizmente, porque os caçadores de ontem estão sempre se igualando aos que caçaram (ou cassaram).

O que se tem praticado não é a vingança pela competência no jogo político, pela perícia na arte de levar o adversário à derrota dentro da regra. Exemplo destas pequenas e saborosas vinganças foi a de Sarney, ao articular recentemente a rejeição do nome de Luiz Alfredo Salomão para a ANP. Deputado há 18 anos, Salomão pediu uma CPI da Corrupção e lançou marimbondos de fogo contra o governo, para usar o título de um livro de Sarney.

O que temos testemunhado é a vingança que a todos nivela por baixo, em seguidas guerras de destruição que atingem não só os partidos e grupos, mas a própria crença na democracia representativa. Quem viver verá a avalanche de votos nulos e brancos nas próximas eleições.

O PT como um todo está pagando pela virulência com que combateu adversários no passado, atacando-os com a fúria de quem segurava no alto, com firmeza e exclusividade, a bandeira tremulante da ética. Collor derrotou Lula em 1989 introduzindo o golpe baixo na prática eleitoral da nascente democracia. No dia primeiro de junho de 1992, Dirceu e Genoino caminhavam rumo à sala onde seria instalada a CPI do PC a passos decididos. A mesma sala onde hoje funciona a CPI dos Correios. Ali ainda vão se sentar alguns petistas. Ali alguns petistas têm sofrido humilhação e escárnio. Que o diga o deputado Jorge Bittar. Naquela caminhada, Dirceu explicava estar em curso uma luta política que terminaria em impeachment. E terminou. Os petistas brilharam na CPI, massacraram pobres diabos como Cláudio Vieira, o homem da Operação Uruguai. Como agora fazem tucanos e pefelistas, estes na defesa de Collor à época, ao inquirir Marcos Valério. Dirceu sabe o que o espera lá.

Já se diz na Câmara que ele pode ser cassado por mais de 400 votos, ganhando de Roberto Jefferson no placar. Aos inimigos do passado juntou os que colecionou como ministro todo-poderoso de Lula. Sua glória temperada por arrogância e auto-suficiência já dá lugar a um amargo ostracismo. Homem de muitas vidas e nomes, Dirceu não se acha todavia morto. Deve crer na ressurreição e no cálice da vingança.

Roberto Jefferson, o mais aguerrido soldado de Collor, é o mais saciado dos vingadores. Convencido de que foi Dirceu quem providenciou a gravação de Maurício Marinho embolsando propina em nome de seu ¿esquema PTB¿, acionou a bomba atômica e contempla cantando a devastação causada. Sacudiu uma árvore da qual continuam caindo jabutis inimagináveis, como o esquema PT-Marcos Valério.

Ao se igualar aos que combateu, o PT reuniu em uma coalizão inimigos do passado. Muitos deles, como Jefferson, foram amigos enquanto a sociedade deu lucro. Também os do PP, os do PL e outros aliados ainda vão se voltar contra os petistas quando a corda começar a estourar para o lado deles. Já se teme o que farão um Janene, um Mabel, um Pedro Henry e outros acusados de receber o mensalão quando começarem as cassações.

Derrotado em 1994 e em 1998 por Fernando Henrique e seus tucanos, o PT fez-lhe guerra de guerrilha por oito anos. Combateu a reeleição, tentou apurar a compra de votos, denunciou maracutaias, pediu CPIs, obteve e vazou documentos e aliou-se aos procuradores denuncistas. Hoje enfrenta procuradores e é humilhado por Fernando Henrique com a oferta de um socorro pelo qual cobra a renúncia de Lula à reeleição. Mas o gosto de sangue é mais forte na boca dos pefelistas, que tiveram o senador Bornhausen no papel de celebrante do enterro de Collor, como secretário de Governo. Se os tucanos pedem a Lula renúncia branca, os pefelistas externam, sem cerimônia, o desprezo pela legalidade, quando deseja ao país um governo ¿apodrecido¿ para batê-lo nas urnas de 2006.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, acha que a crise pode calar este Bolero de Ravel, sempre a recomeçar, abrindo um ciclo inovador. Outras crises levaram a investigações atropeladas, a julgamentos políticos e cassações simbólicas. Uma boa apuração permitiria a punição de todos os culpados e até a absolvição dos inocentes. É um otimista.