Título: É emprestando que se recebe
Autor: Flávia Ribeiro
Fonte: O Globo, 10/07/2005, O País, p. 3

Bancos que financiaram o PT ganharam R$458 milhões em aplicações de fundos de pensão

As duas instituições financeiras que, no primeiro ano do governo Lula, emprestaram R$5,4 milhões ao Partido dos Trabalhadores (PT) foram contempladas com R$458,4 milhões em aplicações financeiras de dois dos maiores fundos de pensão de estatais federais do país. A Petros, dos funcionários da Petrobras, destinou no ano passado R$95,02 milhões a fundos de investimento em direitos creditórios (os FIDCs, espécie de títulos que têm como garantia pagamentos a receber por empréstimos concedidos) dos bancos BMG e Rural. Já a Fundação Real Grandeza, dos servidores de Furnas, aplicou, no mesmo período, R$363,4 milhões em títulos (CDBs e RDBs) e FIDCs dos mesmos bancos.

As operações, embora não sejam ilegais, sugerem favorecimento aos dois bancos por razões políticas. É o governo que escolhe os presidentes e diretores das estatais e de seus fundos de previdência complementar, bem como os membros dos conselhos deliberativo (responsável pelas decisões estratégicas) e fiscal (que aprova as contas). As fundações estão entre os mais poderosos investidores institucionais do Brasil. A Petros, por exemplo, administra R$24,986 bilhões em ativos ¿ é a segunda maior do mercado, atrás apenas da Previ, do Banco do Brasil, que soma R$70,332 bilhões em investimentos e é líder na América Latina.

No escândalo do mensalão ¿ no qual o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) acusa o PT de pagar R$30 mil por mês a deputados aliados para votarem projetos de interesse do governo ¿ as investigações já comprovaram operações suspeitas entre o partido do presidente da República e os bancos Rural e BMG. Nos primeiros meses de 2003, o PT tomou empréstimos de R$3 milhões no Rural e de R$2,4 milhões no BMG. Ambos os financiamentos foram assinados por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e José Genoino, presidente nacional do partido, e tiveram como avalista o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza.

Aplicações estão no balanço financeiro

As aplicações dos fundos de pensão nos dois bancos constam das demonstrações financeiras da Petros e da Real Grandeza em 2004. Um ano antes, a fundação da Petrobras não tinha sequer um centavo em FIDCs ¿ foi em 2003 que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentou a criação desses fundos. No primeiro trimestre de 2004, a Petros declarou ter em sua carteira de renda fixa R$5,021 milhões em FIDCs do Banco Rural. No fim do ano, as aplicações chegavam a R$23,808 milhões no Rural e a R$71,211 milhões no BMG. À Caixa Econômica Federal foram destinados apenas R$3,806 milhões.

Outros R$10,653 milhões foram aplicados pela Petros num FIDC da Bancoop. Trata-se de uma cooperativa habitacional criada, em 1996, pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região. Desde então, já lançou 55 empreendimentos, num total de quase dez mil imóveis, dos quais 5.132 já entregues. No ano passado, a Bancoop transformou parte dos pagamentos que terá a receber pelos financiamentos habitacionais num fundo de R$60 milhões, administrado pela corretora Planner. A Bancoop tem como presidente o sindicalista João Vaccari Neto, diretor-executivo do Sindicato dos Bancários e secretário de Relações Internacionais da CUT.

Na Real Grandeza, as aplicações se dividem entre certificados e recibos de depósitos bancários (CDBs e RDBs) do Banco Rural e do BMG: ao todo, R$150,3 milhões e R$100,1 milhões, respectivamente. Além disso, a fundação aplicou R$113 milhões em FIDCs do BMG. As aplicações não têm qualquer sinal de irregularidade e não parecem oferecer risco às carteiras das fundações.

A própria regulamentação da CVM obriga que os FIDCs sejam submetidos à avaliação de risco antes de serem ofertadas aos investidores institucionais ¿ eles não podem ser adquiridos por pessoas físicas. O principal atrativo desses fundos é a rentabilidade superior à dos títulos públicos federais. Um executivo do mercado estima que o rendimento desses papéis supere em 5% ao ano a variação dos Certificados de Depósito Interfinanceiro (CDI), a taxa de empréstimo entre bancos que é a base do ganho dos títulos de renda fixa. Mas outro analista chama a atenção para a preferência que as duas fundações deram para bancos médios, em detrimento de instituições de grande porte.

O Banco Rural, na sexta-feira, teve sua classificação de risco rebaixada pela agência Fitch Ratings, em razão de seu envolvimento com a crise política. Segundo nota da Fitch, ¿a captação e a liquidez do Rural já haviam sofrido forte pressão de novembro de 2004 a fevereiro de 2005, em função da crise de liquidez deflagrada pela intervenção do Banco Central no Banco Santos S.A¿. Continua a nota: ¿Desde então, o Rural tem intensificado a readequação de suas atividades, em função da maior suscetibilidade às oscilações da economia e a eventos¿.

O BMG ¿ cujo presidente, Ricardo Annes Guimarães, ocupa o mesmo cargo no Atlético Mineiro ¿ cresceu fortemente nos últimos anos, de carona nos financiamentos concedidos a funcionários públicos, aposentados e pensionistas com desconto em folha de pagamento. São estes créditos que vão formar os FIDCs. Na operação, a instituição transforma em títulos os pagamentos dos empréstimos que tem a receber e os vende a um investidor por um prazo determinado. Assim, o dinheiro volta rapidamente ao banco, que pode emprestá-lo novamente, realimentando as operações.

LUCRO DO BMG CRESCEU 205% NO ANO PASSADO, GRAÇAS AO CRÉDITO CONSIGNADO, na página 4

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