Título: O MISTÉRIO DOS TESOUROS
Autor: Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 10/07/2005, Rio, p. 18

Mapa do século XVII sugere que há ouro enterrado às margens da Baía de Guanabara Oconjunto natural formado por Enseada de Botafogo e Pão de Açúcar sempre foi um dos grandes tesouros do Rio. Mas, além da beleza digna de cartão-postal, aquela paisagem pode guardar uma riqueza diferente e mais brilhante: a do ouro. O historiador Milton Teixeira identificou, em desenho feito a bico de pena na contracapa de um livro editado no século XVII, o que seria o mapa de três tesouros enterrados nos cem anos anteriores às margens da Baía de Guanabara, onde hoje estão o Forte de São João, a Avenida São Sebastião (na Urca) e as pistas do Aterro do Flamengo. Para concluir que o mapa era verdadeiro, ele analisou a nomenclatura encontrada no documento ¿ que tem palavras como P. Sucre (Pão de Açúcar, em francês) ¿ a geografia e os relevos no contorno do desenho. O documento seria relativo à época da chegada do francês Nicolas Durand de Villegaignon à cidade, em 1554. A primeira interpretação do mapa, desenhado na contracapa de um exemplar do livro ¿Sermões fúnebres do Padre Manoel de Nexera¿, foi feita na década de 40, quando chegou às mãos do jornalista Manoel dos Santos Guerra. Devido à inscrição Île de Trinité na parte superior do documento, ele acreditou que os contornos seriam da Ilha de Trindade, a cerca de 1.150 quilômetros da costa de Vitória. Na ocasião, fez uma reportagem para o jornal ¿A Pátria¿ com essa versão. No entanto, quando o mapa chegou às mãos do filho do jornalista, o pesquisador Manoel dos Santos Guerra Júnior, surgiu a suspeita de que fosse da Baía de Guanabara. Desenho é fiel a técnicas da época Milton Teixeira recebeu o documento e o associou a outras informações da época. Como aparece no desenho, alguns mapas da Baía de Guanabara do século XVI nomeavam o Pão de Açúcar e a Enseada de Botafogo, respectivamente, como P. Sucre e Lac D¿eau Doux. Os pontos cardeais inscritos no documento estavam na posição correta. No contorno do mapa, feito com a técnica então muito comum do relevo rebatido, foram identificadas as curvas do Pão de Açúcar e dos morros Cara de Cão, da Urca, do Pasmado e da Viúva. Parte da Urca, desenhada como uma ilha no documento, aparece da mesma forma em mapas oficiais daquele período. ¿ São muitas as semelhanças com uma parte da baía. A versão de que seria o mapa de Trindade foi descartada porque o desenho não se limita a uma ilha. Há ainda o contorno do que seria a Enseada de Botafogo e a extinta Praia da Saudade, onde hoje fica o Iate Clube do Rio de Janeiro. O nome ¿Trindade¿ talvez tenha relação com os três morros (Pão de Açúcar, Cara de Cão e Morro da Urca) ou com o conjunto de tesouros. O mapa foi feito sem instrumento científico, mas é verdadeiro ¿ atesta o historiador. Milton Teixeira diz que a técnica e a nomenclatura são semelhantes às utilizadas pelos cartógrafos franceses do século XVI, que chegaram ao Rio comandados por Villegaignon com a missão de fundar a França Antártica. O historiador acredita que o mapa tenha sido copiado do original durante os 11 anos em que os franceses estiveram ao redor da Baía de Guanabara. Especula-se que o autor do desenho seja um soldado que desertou para ficar com portugueses, já que uma das inscrições ¿ praya ¿ aparece na língua lusa. Milton Teixeira imagina que o tesouro inclua moedas de ouro: ¿ O pagamento era feito em moedas francesas da época. Não temos como saber quem enterrou, mas há muitas hipóteses: o próprio Villegaignon, antes de voltar à França em busca de mais dinheiro; o sobrinho dele, que assumiu o comando da missão na ausência do tio; ou ainda outro interessado. É improvável que alguém esburaque uma fortaleza, uma avenida ou as pistas do Aterro com base num desenho a bico de pena. Mas, se houver interessados na caça ao tesouro, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) avisa que bens de valor resgatados no subsolo pertencem à União. Segundo o instituto, já que o tesouro supostamente está em terra, a Lei 3924, de 1961, regula o assunto. A legislação trata o resgate desses bens como arqueologia histórica. A autorização para exploração deve ser dada pelo próprio Iphan. Mesmo que a descoberta seja fortuita, o tesouro resgatado é, por princípio, um direito do governo federal. Na Fortaleza de São João, ninguém tinha ouvido falar do tesouro. Em nota oficial, a Diretoria de Assuntos Culturais (DAC) diz que desconhece o assunto, ¿embora possivelmente existam referências nos documentos existentes no Arquivo Histórico do Exército, que são de acesso público¿. No local, há mais de mil mapas antigos, entre os quais de fundações e fortificações do Rio. Dentro do forte, porém, autorização para pesquisas tem de ser solicitada ao Comando Militar do Leste. Há quem viva perto de onde estaria enterrado o ouro e não tenha se surpreendido com a notícia. O escritor e jornalista Ricardo Cravo Albim, que mora e trabalha na Avenida São Sebastião, um dos pontos marcados no mapa, diz que o tesouro faz parte da história oral do bairro. ¿ Conheci um antigo funcionário do Cassino da Urca, muito velhinho, que sempre contava a história dos tesouros no bairro. Ele dizia que eu morava num ponto de acesso ao ouro. É um relato oral, que no entanto muitas vezes se torna o mais verdadeiro dos documentos.