Título: LIVROS NA CONTRAMÃO DA CARTILHA ECONÔMICA
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 10/07/2005, Economia, p. 30

Editoras deixaram de pagar PIS e Cofins, mas preços subiram até 5,79% no ano. Governo prevê redução em 3 anos

Depois de ver suas vendas encolherem, ano após ano, desde 1998, o mercado editorial brasileiro recebeu há seis meses uma desoneração fiscal que reduziu de 3,65% a 9,25% sua carga de impostos. E, nas últimas semanas, o setor ensaiou um processo de fusões e aquisições, que, segundo especialistas, poderá dar mais fôlego às editoras. Mas, por enquanto, os consumidores ainda não têm o que comemorar. Este ano, os preços dos livros já subiram 2,95%. No caso dos didáticos, a alta chega a 5,79%, para uma inflação, no mesmo período, de 3,16%.

As editoras argumentam que uma redução nos preços só virá a longo prazo. O governo também aposta nisso. Segundo o coordenador do Plano Nacional do Livro e Leitura, Galeno Amorim, já se esperava que, num primeiro momento, as empresas usassem a folga de caixa para recompor margens e ampliar investimentos, pois o setor passava por uma crise. Pesquisa encomendada pelo BNDES aos economistas Fábio Sá Earp e George Kornis constatou que, entre 1998 e 2003, as vendas das editoras ao mercado (ou seja, sem contar as compras do governo) recuaram de R$3,39 bilhões para R$1,91 bilhão.

CBL aponta dificuldades culturais e de estrutura

A perda de receita foi o pano de fundo para vendas e fusões recentes de editoras. No mês passado, o grupo espanhol Prisa comprou 75% da Objetiva e a Ediouro, 50% da Nova Fronteira. Mas, segundo estimativas do Ministério da Cultura, os incentivos fiscais vão injetar R$160 milhões por ano no setor ¿ esse é o tamanho da renúncia fiscal do governo com PIS/Pasep e Cofins de editoras e livrarias. Galeno Amorim acredita que isso permitirá uma queda de 10% nos preços dos livros e, desde dezembro, o governo está monitorando 200 mil títulos. Entretanto, ele traça o cenário de queda de preço para um prazo de três anos.

Enquanto isso, resta ao leitor apertar os cintos para se manter em dia com as novidades. Professora de latim, Leni Ribeiro Leite com freqüência adia as compras de livros de lazer para fazer frente aos gastos com a literatura específica de seu doutorado em letras.

¿ Tenho que fazer uma seleção. Os livros mais técnicos, de história ou filosofia, que preciso para estudo ou trabalho, não entram em promoção. Nos demais, eu espero um pouco. Depois do lançamento, é mais fácil conseguir um preço melhor ¿ diz Leni, que compra no mínimo três títulos por mês.

Como contrapartida para a isenção fiscal, editoras e livrarias terão de recolher 1% de seu faturamento para um fundo nacional de incentivo à leitura. É nisso que as empresas se fiam para prometer que, no futuro, haverá redução nos preços. Segundo Marino Lobello, vice-presidente de Comunicação da Câmara Brasileira do Livro (CBL, que reúne editoras, livrarias, profissionais de venda direta, entre outros), quando houver mercado para as editoras aumentarem suas tiragens, a queda de preços será exponencial:

¿ Há três problemas no Brasil. O primeiro deles é de ordem cultural, já que a leitura não faz parte do imaginário da maioria da população. Não adianta oferecer livros a R$2 que a venda não vai crescer tanto assim. Há também uma questão estrutural, num país de dimensões continentais e com poucos pontos de venda. Os consumidores hoje estão concentrados nas grandes cidades do Centro-Sul. E, por último, a renda dos brasileiros é muito baixa. Por isso, é importante subsidiar o incentivo à leitura.

Baixa tiragem é compensada com vários lançamentos

Lobello explica com números o impacto da escala de produção nos preços: um mesmo livro que, numa tiragem de três mil exemplares (média do país) chega às lojas a R$25, poderia custar R$15 se fossem impressos 5 mil exemplares.

Para fazer frente a um público reduzido, as editoras, muitas vezes, optam por multiplicar os lançamentos. Ou seja, como é difícil aumentar o número de leitores, a saída é tentar fazer com que os mesmos leitores leiam mais livros. Tarefa inglória num momento em que os trabalhadores ainda amargam perdas de renda.

¿ São cerca de 30 mil lançamentos por ano. Mas as estatísticas da CBL mostram uma estagnação do mercado desde 1999, com crescimento meramente vegetativo ¿ diz Carlos Augusto Lacerda, diretor-presidente da Nova Fronteira.

A editora acaba de ter 50% de sua participação acionária comprada pela Ediouro. Segundo Lacerda, a consolidação é uma estratégia para enfrentar a concorrência crescente e os altos e baixos do mercado:

¿ É importante ter escala, volume ¿ afirma.

Para Sérgio Machado, da Record, a tendência de aglutinação do mercado editorial, reforçada nas recentes fusões e aquisições, mostra que, para algumas empresas, a desoneração fiscal chegou tarde. Apesar de ainda não ter surtido reflexo no preço médio dos livros, Machado afirma que a desoneração ajudou as editoras a tirarem da gaveta investimentos que podem acabar aliviando o bolso do leitor. A Record, por exemplo, lançou uma série de livros de bolso, vendidos em bancas de jornal por preços entre R$3,90 e R$9,90. Em parceria com a canadense Harlequim, são dez títulos por mês da chamada literatura de entretenimento, com séries como ¿Jéssica¿, ¿Desejo¿ e ¿Destinos¿.