Título: No abandono das ruas, menores passam de vítimas a algozes da sociedade
Autor: Ruben Berta
Fonte: O Globo, 10/07/2005, O Globo/Caderno Especial, p. 1

A violência ronda as histórias de meninos e meninas que vivem nas ruas do Rio. Em muitos casos, eles passam de vítimas a algozes. De janeiro a maio deste ano, foram detidos pela polícia 506 crianças e adolescentes por mês na cidade. Segundo o delegado titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Cláudio Otero, a maioria dos menores infratores vive nas ruas ou está praticamente abandonada pelos pais em áreas muito carentes.

¿ O núcleo familiar deixou de existir para esses meninos e meninas, que crescem tendo bandidos como exemplo ¿ diz o delegado.

O juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude, Guaraci Vianna, calcula que 12% dos menores infratores vieram das ruas. Ele ressalta, no entanto, que este percentual é baixo diante da realidade. Segundo o juiz, quase todos os adolescentes que chegam à Justiça foram detidos em flagrante e não após uma investigação da polícia. O delegado Cláudio Otero admite que são poucos os menores detidos ao longo de um inquérito porque as vítimas raramente registram queixa quando o acusado não é apanhado em flagrante.

Segundo pesquisa da 2ª Vara, dos 2.531 menores detidos no Rio entre janeiro e maio, 44% eram reincidentes. Mas, de acordo com o juiz Guaraci Vianna, o índice de recuperação de adolescentes infratores é de 30%, três vezes maior do que o de adultos condenados. Das 1.508 medidas judiciais tomadas contra menores infratores no período, apenas 112 foram de internações em abrigos. Hoje há 2.300 menores internados ou em regime semi-aberto em todo o estado e, de acordo com a Secretaria municipal de Assistência Social, há seis mil menores infratores foragidos.

Tanto o juiz quanto o delegado constatam que há vários fatores que levam jovens para o mundo do crime, como os atrativos financeiros, a falta de oportunidade de trabalho, os problemas na família. Os dois são unânimes ainda em culpar o modelo de sociedade consumista, que valoriza o que se tem e não o que se é. Muitos jovens estariam vendo no crime a única saída para conseguir os objetos que os tornariam iguais ao padrão de adolescente.l