Título: LULA: REFÉM, NÃO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 11/07/2005, O País, p. 4

No terceiro andar do Planalto, as palavras impeachment e reeleição não têm feito parte do vocabulário. A primeira é considerada hipótese absurda. A segunda foi banida temporariamente, mas aparece nas conversas do presidente de forma enviesada, quando deixa claro a interlocutores que não tem a menor intenção de aceitar qualquer pacto que o deixe na situação de refém da oposição.

Já não se pode dizer que o presidente não tenha percepção da gravidade da crise, ainda que seu comportamento público ¿ como o discurso de sexta-feira na posse dos novos ministros ¿ passe a impressão de certo alheamento. Quem com ele esteve nas últimas horas encontrou um Lula triste e angustiado.

Angustiado, sobretudo, pela dúvida em relação ao próprio partido e à conduta de companheiros:

¿ O que esses caras fizeram? ¿ indagou o presidente a certa altura de uma conversa com um ministro petista.

No Planalto, não se sabe exatamente o que esses caras fizeram ¿ ainda que, aos olhos da opinião pública, esse tipo de desconhecimento possa cheirar a descuido, omissão ou coisa pior. Lula, em toda a sua irritação com certos companheiros ¿ o nome Delúbio Soares, por exemplo, só aparece nas conversas acompanhado por duros adjetivos ¿ acha que, a esta altura, é preciso saber exatamente o que fizeram.

Surpreendido a cada dia com uma denúncia ou uma mala de dinheiro, Lula tem dito que se considera incapaz de continuar botando a mão no fogo por companheiros cujo comportamento fica a cada dia mais mal explicado. E todos conhecem a generosidade ¿ que pode raiar até a ingenuidade ¿ de Lula nesse quesito. Quando convencido de sua inocência, defende os seus até o fim, como fez publicamente com Luiz Gushiken sexta-feira, após ouvir explicações do auxiliar sobre o noticiário que o atingia.

Agora, na opinião do presidente, é preciso abrir as contas do PT. Vir a público e mostrar empréstimos, doações, gastos e o que mais houver, inclusive operações que não estejam no plano da legalidade. Nas palavras de quem freqüenta o gabinete presidencial, está chegando a hora de ex-dirigentes do PT, como Delúbio, por exemplo, dizerem que receberam recursos não contabilizados no caixa oficial do partido e de suas campanhas.

A esta altura do campeonato, aliás, a existência de um caixa 2 ainda é vista como o menor dos males ¿ e se esse for o maior crime a ser admitido, muitos vão respirar aliviados. O problema é o resto, o que ninguém sabe ainda que ou se aconteceu.

Mas Lula está convencido de que a única salvação para o PT é purgar seus pecados, ainda que nesse processo seja necessário cortar muitas cabeças. Ao colocar na nova executiva do partido seu ministro da Educação, Tarso Genro, e os ex-ministros Ricardo Berzoini e Humberto Costa ¿ todos com a missão de sanear a máquina petista ¿ ele não fez o que muitos aconselhavam neste momento: separar o PT do governo e o governo do PT.

A nova composição da direção petista reflete, isso sim, um reconhecimento do presidente de que ambos, partido e governo, estão amarrados nesse abraço de afogados, e que a salvação (ou perdição) de um será a do outro. Não é só uma jogada de risco, é uma jogada de vida ou morte. Mostra, sobretudo, que Lula ainda acredita na possibilidade de salvar o PT como força política. Esforço que vai além de projetos políticos pessoais e mais imediatos.

A avaliação no Planalto é de que, se o PT for destruído nesse episódio, o país poderá se ver, a médio prazo, num cenário de anarquia e descontrole das forças sociais, em relação às quais o partido desempenha um papel de escoadouro. Se não há risco institucional hoje por conta da crise, a morte brutal do PT poderá representar, mais à frente, a incerteza: bolivianização, venezuelização, sabe-se lá o quê.

Com as coisas nesse plano, é óbvio que reeleição passou a ser um sonho distante e remoto. O que não quer dizer que Luiz Inácio Lula da Silva, por mais abalado que esteja, tenha jogado a toalha. Conversas com a oposição em torno do interesse maior do país estão na pauta, que pode incluir até encontro com Fernando Henrique. Mas sem qualquer promessa com ares de renúncia branca ¿ como a proposta tucana para que desista da reeleição em troca de apoio político.

Se, neste momento, o presidente faz movimentos para deixar de ser refém de um PT que se afunda na lama e tenta salvar a parte boa da legenda, não é nos braços da oposição que irá se jogar.