Título: CRISE POLÍTICA, SOLUÇÃO POLÍTICA
Autor: Paulo Guedes
Fonte: O Globo, 11/07/2005, Opinião, p. 7

Esta é uma crise puramente política. Não há, por enquanto, qualquer dimensão econômica afetada. É uma rara oportunidade de implementar a necessária reforma política. Não resulta do preço do petróleo, dos credores internacionais, dos especuladores. Resulta, isso sim, da incapacidade de articulação de uma reforma do Estado por parte de nossa classe política.

O Brasil foi por muito tempo prisioneiro de um falso dilema: ser governado por uma direita autoritária, corrupta e fisiológica ou por uma esquerda incendiária e despreparada em matéria econômica. A transição do Antigo Regime para a Grande Sociedade Aberta envolveria uma competição política que resolveria o dilema. Com a democracia, seríamos libertados simultaneamente da direita insensível (pela ação social descentralizada do Estado) e da esquerda ignorante (pela economia de mercado, a maior máquina de inclusão social já descoberta pela Humanidade).

É tautológico que, nos anos de repressão política e modelo econômico dirigista, a direita fosse adesista, fisiológica e doutrinariamente opaca. Não se poderia esperar que as clássicas tradições da liberal-democracia inspirassem suas práticas.

Era natural, portanto, que a abertura conduzisse as esquerdas ao poder. Primeiro de uma forma tosca, mas compreensível, com o Tudo pelo Social de José Sarney, sob a tutela do PMDB. Acossado pela síndrome de ilegitimidade pela morte de Tancredo Neves, vergou para o populismo sob as enormes, porém legítimas, pressões sociais de uma democracia emergente.

Aculturando-se gradualmente pelo clássico método de tentativa e erro, a social-democracia tucana ampliou substancialmente o espaço de modernização econômica da esquerda. Deixou o recém-adquirido capital político institucional para a social-democracia petista (responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flexível), mas legou também uma pesada conta, sob a forma de colossal dívida interna (a herança maldita).

A social-democracia petista dá continuidade à política econômica transmitida pelos tucanos, mas hesita igualmente no aprofundamento da reforma do Estado, incluindo a reforma fiscal, da legislação trabalhista e da reforma previdenciária.

A estagnação econômica e a persistência da corrupção nestas duas décadas de democracia resultam dessa incapacidade da classe política em corrigir as disfunções de um Estado moldado em um regime politicamente fechado.

Urge uma reforma política que conclua o ciclo de modernização do campo de debate doutrinário. De um lado, a social-democracia, que terá de aprofundar a revisão de seus dogmas econômicos, e de outro, a liberal-democracia, que teria expiado a culpa de associação ao regime militar, apoiando Tancredo Neves na transição e os dois mandatos de FHC.

É claro que há fatores específicos nesta crise: flagrante de corrupção, má conduta de dirigentes do PT e de partidos aliados, e mesmo a possível omissão do presidente. Não obstante, a oportunidade de revisão das práticas políticas é uma responsabilidade de toda a classe, não apenas de um partido.