Título: DÓLAR FARTO NA BLINDAGEM ANTICRISE
Autor: Enio Vieira e Martha Beck
Fonte: O Globo, 11/07/2005, Economia, p. 18

Exportações e excesso de dinheiro no mercado global protegem país da turbulência política

As exportações e o excesso de dinheiro no mercado internacional criaram uma blindagem para a economia brasileira contra turbulências como a atual crise política, na avaliação dos economistas. O câmbio e o risco-país refletiram em anos anteriores os primeiros efeitos de crises externas (como a da Ásia em 1997, Rússia em 1998 ou a moratória argentina em 2001), mas, nos últimos meses, esses indicadores se mantêm estáveis graças à forte entrada de dólares no país.

As exportações também são a principal fonte de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) desde o segundo semestre de 2003. Este ano, segundo o Banco Central (BC), se o Brasil crescer 3,4%, uma parcela de 2,7 pontos percentuais virá apenas das exportações, equivalente a 79,41% da estimativa. As vendas externas, portanto, devem ter uma contribuição maior do que em 2004, quando representaram 65% do crescimento do PIB de 4,9%.

Graças aos dólares das exportações, o Brasil tem mantido um equilíbrio nas suas contas externas. Os analistas explicam que isso transmite aos investidores uma idéia de solvência do país que, assim, passam a ter uma melhor percepção de risco em relação ao Brasil, mesmo em meio à atual crise política.

Comércio mundial deve crescer 7,4%

Mas não se trata de um fenômeno particular do Brasil. O comércio internacional passou de um ritmo de crescimento de 0,2% em 2001, nos volumes negociados, para 9,9% em 2004, devendo recuar para 7,4% em 2005. Os países emergentes surfam nesta onda. As exportações brasileiras cresceram 32% em 2004 e 23% no primeiro semestre de 2005. Os percentuais representaram o ingresso no país de US$53,6 bilhões entre janeiro e junho deste ano.

¿ Investimento público não tem, e não conte com investimento privado com a atual crise política. Portanto, é o comércio internacional que ajuda as contas externas e que realmente vai fazer a economia brasileira crescer ¿ disse o diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Gomes de Almeida.

Além das exportações, o que também favorece a blindagem do Brasil é a entrada de dólares de investimentos e empréstimos, devido ao excesso de dinheiro barato no mundo. Com juros baixíssimos nos Estados Unidos e na União Européia, os investidores internacionais seguem apostando nas bolsas de valores e em papéis da dívida de países emergentes, que oferecem retornos maiores. Desde o agravamento da crise política em 6 de junho, com a denúncia do mensalão, o risco-Brasil ¿ parâmetro do apetite dos investidores pelos títulos brasileiros e que, quanto menor, melhor para o país ¿ não subiu. Ele até recuou, de 431 para 415 pontos.

Até a Argentina, que seria em tese punida por ter dado um calote na dívida externa, vem se beneficiando do cenário atual, com sua taxa de risco em 439 pontos.

¿ A liquidez internacional tem tido papel relevante em minimizar o impacto de crises políticas domésticas ¿ afirmou o economista Ilan Goldfajn, sócio da Gávea Investimentos e ex-diretor do Banco Central.

Goldfajn cita os casos recentes de turbulências políticas na África do Sul, na Coréia do Sul e na Venezuela, cujo impacto nas economias foram mínimos e amortecidos pela grande disponibilidade de dinheiro a custos baixos no mercado internacional. No pico da crise financeira de 2002, às vésperas da eleição presidencial brasileira, a taxa de risco do Brasil ultrapassou os 2.400 pontos. O dólar chegou a quase R$4.

Mas Goldfajn acredita que, se houver mudança nas atuais condições do mercado internacional, o Brasil não estará totalmente blindado, porque precisa de mais reformas estruturais. O governo, por sua vez, argumenta que o Brasil tem fundamentos sólidos, com superávit comercial e menor dívida pública cambial.

A contrapartida do vigor das exportações e do fluxo de investimentos estrangeiros para o Brasil é a valorização do real, que já chegou a 11% neste ano. O dólar mais baixo ajuda a reduzir a inflação e abre espaço para um corte de juros. Mas há o temor de que o real fortalecido atinja justamente o principal fator de crescimento do Brasil ¿ as exportações ¿ e interrompa de vez a retomada da economia brasileira iniciada em 2003.

CNI diz que câmbio já afeta exportações

O coordenador de política econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco, nota uma desaceleração das vendas no setor desde meados de 2004 com o câmbio valorizado. Entre maio do ano passado e junho deste ano, o dólar caiu 22%. Segundo ele, o faturamento em reais está caindo e isso reduz a perspectiva de novos investimentos para exportação:

¿ Não foi só um câmbio a R$3,80 na virada de 2002 para 2003 que estimulou as vendas externas. A taxa de câmbio sempre é um item importante para o cálculo dos investimentos voltados para exportação.

Júlio Gomes de Almeida, do Iedi, diz que, mesmo com o câmbio desfavorável, a balança comercial tem saldos altos porque os exportadores ainda apostam na melhoria das condições ¿ com uma cotação do dólar mais atraente ¿ e necessitam cumprir contratos fechados em 2004.

Os setores que mais sentem o câmbio valorizado são calçados e móveis, até com demissões. No Brasil, as indústrias exportam 30% da produção. Nas grandes empresas, 22% do faturamento vêm das vendas externas.

Castelo Branco, da CNI, antes previa que, em 2005, a demanda externa teria um peso a menor na expansão do PIB. Segundo ele, havia a expectativa de que o mercado interno estivesse mais favorável, mas a taxa de juros permaneceu alta durante todo o primeiro semestre de 2005, afetando o consumo e os investimentos. Coube então às exportações segurar o crescimento da economia brasileira.

A expansão das exportações foi generalizada em vários países em 2004. O Brasil saiu de US$50 bilhões em 2001 para o atual nível acima de US$100 bilhões ao ano. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Chile apresentou ano passado expansão de 51,07%, sobretudo com a alta de preços do cobre que persiste este ano. A Colômbia alcançou 28,02% de avanço das exportações em 2004. A América Latina foi ajudada pelas altas recordes de commodities agrícolas (soja) e metálicas (minério, aço). Quem produz manufaturados também teve ganhos expressivos. A Coréia do Sul teve elevação de 30,97%, e a Alemanha, de 21,32%.