Título: BOLA DE NEVE
Autor: George Vidor
Fonte: O Globo, 11/07/2005, Economia, p. 19

O déficit nas contas do setor público deve continuar abaixo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Essa diferença entre tudo que a União, estados e municípios arrecada e gasta vira dívida, que um dia terá de ser amortizada, ou então suprimida pela inflação. Manter o déficit significa então jogar o problema para frente, e com o risco que ele cresça como uma bola de neve.

Se de fato estamos preocupados com o futuro, a chance de eliminar o déficit é agora, pois as autoridades já esticaram ao máximo a cobrança de impostos e daqui para a frente as pressões para redução da carga tributária só vão se multiplicar, porque produtores e contribuintes individuais estão sufocados.

Assim, pelo lado da arrecadação não será mais possível continuar fazendo milagres. Para crescer, a receita depende agora basicamente do crescimento da economia.

Já pelo lado da despesa, o setor público precisa controlar mais os seus gastos de rotina, que se destinam à manutenção da máquina estatal. Há também muito dinheiro desperdiçado nos chamados programas sociais (como levam essa tarja, os responsáveis pela execução dos orçamentos ficam com receio de meter a tesoura neles e serem depois acusados de insensibilidade política; mas as denúncias de mau uso desses recursos não são poucas).

Os investimentos públicos como um todo não chegam a representar hoje mais do que 2% do PIB. Mesmo que fossem cortados integralmente, o que seria um absurdo, não eliminariam o déficit. Então o jeito é mesmo segurar o custeio e sob esse aspecto a proposta do deputado e ex-ministro Delfim Netto é muito oportuna, pois sem uma camisa-de-força tais despesas continuarão aumentando além do desejável. O deputado sugere que esses gastos fiquem dois ou três anos sem crescimento real (acima da inflação). E para que os agentes econômicos acreditem que de fato o controle será para valer, propõe incluir nos dispositivos transitórios da Constituição uma emenda que imponha essa regra.

A Lei de Responsabilidade Fiscal tem mecanismos que permitiriam fazer a mesma coisa. Porém os governantes, os legisladores e até os juízes, encontram sempre uma maneira de interpretar a lei da forma que mais lhes convém. Com a regra na Constituição, isso ficaria mais difícil.

A eliminação do déficit público talvez seja a última esperança que nos resta de termos um dia taxas de juros civilizadas. O processo de redução gradual não deu resultado (o Brasil tem hoje os juros reais mais altos do mundo, com vários pontos à frente do segundo colocado). Para que caiam de verdade, será preciso um choque, que diminua a oferta de títulos públicos e leve o próprio mercado a aceitar menos rendimentos por eles. E aí a bola de neve começaria a derreter. Nossos filhos e netos vão agradecer (e nós mesmos não iríamos esperar tanto tempo para usufruir desse ambiente com crescimento econômico mais positivo).

Evitar o desperdício deveria ser uma das premissas do licenciamento ambiental, pois assim é possível poupar recursos de toda a sorte e reduzir o impacto da atividade econômica sobre a natureza.

Mas, com as dificuldades que se tem criado no Brasil para esse tipo de licenciamento, as empresas acabam buscando soluções que contrariam a lógica econômica. Ainda que isso possa representar desperdício de recursos, o que conta na definição do projeto é a maior ou a menor possibilidade de ser licenciado pelos órgãos de preservação do meio ambiente.

Esse provavelmente será o caso dos dutos que escoarão o gás natural e o óleo extraídos da Bacia de Santos. O gasoduto que se ligará aos poços dos campos do BS-400 deverá chegar ao litoral Norte de São Paulo, em Caraguatatuba (subindo depois pela serra até Taubaté). Já os campos do BS-500, embora estejam em frente ao Rio, se ligarão por dutos submarinos a Macaé. De lá o gás voltará ao Rio, por dutos terrestres. Como já existe licenciamento para a malha de dutos assentada no litoral de Macaé, entende-se que será bem mais fácil obter autorização para um novo gasoduto que faça esse percurso, do que chegar com os tubos pela costa do Rio ou de algum município vizinho. Até porque quando os dutos ficam próximos de zonas urbanas há um risco de invasão de faixas de domínio.

Em São Paulo, a Transpetro monitora essas faixas a cada três dias, com vôos de helicóptero, para detectar invasões. Em muitos casos, a empresa já concluiu que é preferível construir novos ramais, que pouco acrescentarão à sua capacidade de transporte, para desativar os trechos em que as favelas e invasões de terras estão muito perto dos dutos, com perigo de acidentes. O remanejamento de todos esses trechos pode custar R$400 milhões. Talvez fosse mais útil reassentar as pessoas, com esse dinheiro, em outros locais, mais seguros e próprios para a habitação.

Em contraste com o cenário político, as últimas novidades na economia brasileira foram todas animadoras. Há indicações de que o crescimento no segundo trimestre vai superar as expectativas iniciais; a inflação caiu em todos os seus indicadores, no atacado e no varejo; uma empresa privada brasileira, a Vale do Rio Doce, teve pela primeira vez a sua classificação de risco elevada para o grau de investimento (antes estava no grau especulativo). As exportações continuam aumentando e sobra dólares no país, a ponto de o Tesouro Nacional já se sentir confiante em recomprar ou trocar títulos da dívida externa que têm custo elevado para o Brasil.

O que falta para o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central baixar as taxas básicas de juros? Nada!.