Título: À sombra de um inimigo interno
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 11/07/2005, O Mundo, p. 21

Reino Unido investiga estrangeiros, mas hipótese de ataque de britânicos a Londres ganha força

Embora não descartem o envolvimento de terroristas estrangeiros nos atentados de 7 de julho, as investigações das autoridades do Reino Unido apontam cada vez mais para a possibilidade de que as explosões em três estações do metrô e num ônibus de Londres tenham sido obra de terroristas britânicos. As revelações foram feitas ontem por especialistas e fontes consultadas por alguns dos principais jornais do país.

Um dos ouvidos, o ex-diretor da Scotland Yard Sir John Stevens afirmou que os serviços de inteligência teriam informações sobre um programa da rede al-Qaeda para treinar terroristas nascidos ou baseados no país.

Al-Qaeda teria treinado 3 mil

Stevens é uma das principais autoridades britânicas a falar publicamente sobre a gravidade da ameaça terrorista ao Reino Unido, tendo ficado célebre em 2004 ao dizer que era apenas uma questão de tempo o país ser atacado. Num artigo publicado ontem pelo tablóide ¿News of the World¿, ele disse estar ¿quase certo¿ de que os autores dos ataques em Londres são britânicos. ¿São criados aqui e totalmente conscientes da vida e dos valores britânicos¿, afirmou. Stevens disse ainda que cerca de três mil pessoas que vivem no país teriam passado por campos de treinamento da al-Qaeda no exterior, acrescentando: ¿Há pessoas suficientes no Reino Unido dispostas a tornarem-se terroristas islâmicos¿.

Detalhes mais específicos foram fornecidos por um dossiê do governo obtido pelo jornal ¿Sunday Times¿, que fala sobre um sofisticado esquema de recrutamento da al-Qaeda junto à comunidade muçulmana britânica, com ênfase em jovens de classe média, estudantes de cursos de engenharia ou informática ¿ com qualificações para, por exemplo, instalar bombas com detonadores automáticos.

Um quadro que se encaixa nas suspeitas de que os autores dos atentados teriam driblado a vigilância da polícia e do serviço secreto britânicos por não terem antecedentes criminais. Os documentos afirmam ainda que 16 mil muçulmanos britânicos estariam envolvidos com o terrorismo doméstico e internacional, diretamente ou através de doações em dinheiro ou em trabalhos voluntários feitos para grupos extremistas.

A hipótese do terror doméstico ganhou contornos ainda mais macabros com a informação publicada pelo jornal ¿Independent¿ de que os ataques podem ter sido ¿terceirizados¿ pela al-Qaeda. A rede, diz o diário, teria contratado mercenários, possivelmente muçulmanos brancos dos Bálcãs.

No entanto, a participação de terroristas internacionais não está descartada, e, segundo o jornal ¿Observer¿, autoridades britânicas estariam à caça do sírio Mustafa Setmarian Nasser, suspeito de envolvimento nos atentados de 11 de março de 2004 em Madri. Segundo algumas fontes, Nasser estaria atualmente foragido no Iraque. Mas a inteligência britânica tem informações de que o sírio teria se refugiado em Londres depois do ataque à capital espanhola. Outro suspeito seria o marroquino Mohammed al-Garbuzi, que estaria por trás das explosões que mataram 33 pessoas em Casablanca, no ano passado.

A polícia também tem interesse especial num homem de origem norte-africana que teria sido ferido numa das explosões em Londres. Ele teria chegado à capital recentemente.

Ontem, a polícia informou que três pessoas foram presas no aeroporto de Heathrow, em Londres, sob a Lei de Prevenção ao Terrorismo. Um porta-voz da polícia negou, entretanto, que as prisões estejam ligadas aos atentados. Os três detidos, que foram liberados na noite de ontem, não foram identificados. O ministro do Interior, Charles Clarke, voltou ontem a advertir que os terroristas que atacaram a capital podem estar preparando mais atentados, e afirmou que as forças de segurança do país estão fazendo todo o possível para prender os responsáveis.

Em Roma, o Papa Bento XVI disse que reza pelas vítimas da matança em Londres e também para que terroristas parem de perpetrar ataques.

¿ Rezamos pelos mortos, feridos e por seus parentes e amigos. Mas também rezamos pelos agressores. Deus, toque seus corações! ¿ disse Bento XVI, em mensagem a uma multidão reunida na Praça de São Pedro.