Título: Tantas malas, haja CPIs
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 12/07/2005, O Globo, p. 2

As malas de dinheiro são o símbolo da crise atual, assim como as contas fantasmas marcaram as investigações sobre o esquema PC. Os milhões contidos nas sete malas apreendidas ontem com o deputado do PFL, João Batista Ramos da Silva , devem ser mesmo fruto da exploração da fé pela Igreja Universal. Mas tanto quanto os dólares na cueca e os reais na pasta do ex-dirigente do PT do Ceará José Adalberto Vieira da Silva, as malas agravam a crise, sem falar no impacto devastador que têm sobre o imaginário popular.

O que elas mostram aos habitantes de um país em que falta tudo é um mundo de riqueza fácil, circulando daqui para ali, nas mãos dos que integram a vida pública e a política, e que na época de eleição vão lhes pedir o voto.

A mala do petista deixou o presidente Lula em estado de furiosa indignação na sexta-feira, perguntando a todos como era possível uma coisa tão escandalosa envolvendo um petista. As malas do deputado evangélico deixaram constrangido o PFL, o mais agressivo dos caçadores do PT, embora a reação tenha sido enérgica e imediata. Na reunião de hoje da executiva pefelista, pode ser pedida a expulsão do deputado.

Já o PT fez com atraso o que devia ter feito desde o início, ao trocar toda a sua executiva. Levando ex-ministros para a direção partidária podem estar fortalecendo o vínculo entre partido e governo. Mas este é um vínculo indissolúvel, dizem os petistas, acreditando que a operação salva-partido também fortalece o governo quando lança mão de seus melhores quadros para fazer a faxina da ¿própria casa¿. Nesta altura, nenhum dos dois se salvaria sozinho pela negação do outro.

As medidas tomadas pela nova direção estão na linha correta. Prometem uma investigação interna rigorosa e a revelação de tudo o que for encontrado, por mais constrangedor que seja. Já a decisão de pedir esclarecimentos aos ministros sobre suas gestões não parece contribuir para a superação da crise, mas para fortalecer a idéia de um partido controlador.

O presidente dá mesmo sinais de que se organiza para resistir às investidas contra seu mandato, que a oposição ainda explicita com reservas. Ontem Lula abriu o Planalto para a manifestação de sindicalistas contra ¿tentativas de colocar um fim prematuro em seu mandato, impedir sua reeleição ou tutelar o presidente¿. Isso disseram em nota. Nos discursos, foram ainda mais diretos, embora o presidente não tenha tocado no assunto, limitando-se a pregar a investigação de todas as denúncias, sem perseguição mas sem proteção a ninguém. Não falou em reeleição, apesar dos gritos por ¿Lula outra vez¿ e ignorou solenemente o pedido por mudanças na política econômica. Hoje anuncia o nome de novos ministros e embarca para Paris, onde já cancelou vários compromissos para voltar o quanto antes, depois de participar da festa nacional da França na quinta-feira.

No Congresso, haverá hoje uma queda-de-braço entre governistas e oposição sobre o rumo das CPIs, em reunião que será arbitrada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. Depois de brigar, até na Justiça, para garantir a instalação das CPIs dos Bingos e do Mensalão, a oposição agora deseja a concentração de todas as investigações na CPI chamada dos Correios, mas que já vem abordando todas as denúncias. Os governistas, depois de terem se batido para evitar outras CPIs, agora preferem a dispersão das investigações. Renan diz que fará cumprir o resultado de algum acordo, mas que se não houver nenhum, fará funcionar todas as CPIs. Os dois lados argumentam em defesa da maior eficiência mas a projeção do espetáculo também conta. Outras CPIs irão competir com a dos Correios, que vem funcionando como um grande ainda que deprimente espetáculo, em que os políticos e os costumes saem literalmente da mala expondo os vícios do sistema.