Título: A multiplicação das malas
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 12/07/2005, O País, p. 3

Bispo da Universal, deputado do PFL é detido com mais de R$10 milhões em dinheiro vivo

APolícia Federal apreendeu ontem sete malas com R$10.202.690 em dinheiro vivo num avião da Igreja Universal do Reino de Deus que se preparava para decolar de Brasília para Goiânia e São Paulo. Dentro do jato estava o deputado federal e presidente da Universal, João Batista Ramos da Silva (PFL-SP). Ele disse que o dinheiro foi arrecadado com fiéis e que seria depositado numa conta do Banco do Brasil em São Paulo. Até o início da noite, porém, a PF não estava convencida sobre a legalidade da origem dos recursos e decidiu transferi-los para uma agência bancária onde ficariam à disposição da Justiça. Até as 19h30m, o deputado ainda não tinha começado a prestar depoimento.

Agentes da PF detiveram de manhã o avião modelo Citation no hangar da TAM do Aeroporto Internacional de Brasília, minutos antes de ir para a pista e dar início à decolagem. O deputado viajava acompanhado por dois bispos da Universal, suas mulheres, o piloto e o co-piloto.

O esquema do dizimão

Os cinco passageiros, os dois tripulantes e as sete malas ¿ com notas de R$5, R$10, R$20, R$50 e R$100 ¿ foram levados para a Superintendência da PF no Distrito Federal, onde chegaram por volta das 11h15m. Uma denúncia anônima motivou a abordagem, segundo a PF, que acabou descobrindo o esquema que já está sendo chamado de dizimão.

O vôo começou em Manaus (AM), por volta das 5h, e fez uma escala em Belém (PA) antes de descer em Brasília. O plano de vôo previa outra escala em Goiânia antes de seguir para São Paulo. Segundo o deputado, o dinheiro ia sendo recolhido a cada escala.

No interior das malas, a PF encontrou papéis impressos com a quantia aproximada e o nome da cidade. Eram tantas cédulas que os policiais buscaram máquinas de contar dinheiro no Banco do Brasil. Numa das malas, foram contabilizados R$600 mil em notas de R$10. As primeiras três malas analisadas continham R$5 milhões. De acordo com o deputado, eram R$10.255.000.

João Batista, que já foi presidente da Rede Record e da Rede Mulher, negou qualquer irregularidade. Ele admitiu que não é um procedimento rotineiro transportar altas quantias de avião, mas alegou que a Universal completou 28 anos no sábado e promoveu comemorações no domingo. Para comprovar a origem do dinheiro, o deputado exibiu uma certidão assinada por ele próprio no domingo, informando que transportaria dinheiro vivo, mas sem especificar o valor.

Segundo João Batista, a Universal tem de 150 a 200 igrejas por estado, com média de 500 fiéis cada uma, número que pode chegar a cinco mil nas catedrais.

¿ Se cada um contribui com R$20, R$10 milhões não é nada ¿ afirmou João Batista.

Suspeita é de fraude contra a Receita

Ele disse que estava de folga e que, entre os motivos para não depositar o dinheiro numa agência de Manaus, por exemplo, é o fato de que a agência de Manaus não aceitaria receber o dinheiro, uma vez que logo em seguida a quantia seria transferida para a conta em São Paulo.

Já o delegado David Servullo Campos, titular da Delegacia de Crimes Financeiros, disse estranhar que o deputado transportasse malas com tanto dinheiro. A legislação brasileira não proíbe que se transporte dinheiro vivo, à exceção de moeda estrangeira. Ontem, foram apreendidos apenas reais.

O delegado afirmou, no entanto, que é preciso esclarecer a origem e o destino do dinheiro. Segundo ele, a mera declaração do deputado e da própria Igreja Universal de que os recursos foram arrecadados com o dízimo e que seriam depositados em São Paulo não basta e indica a necessidade de maiores investigações. As suspeitas são de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal, fraudando a Receita Federal.

¿ Não é considerada suficiente (a explicação). Por isso estou apreendendo o dinheiro ¿ disse.

Durante o dia, os tripulantes e demais passageiros foram ouvidos pela PF. O deputado prestaria depoimento à noite e deveria ser liberado. A PF vai encaminhar os depoimentos ao Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá ao órgão decidir se é o caso de abrir ou não inquérito para investigar o deputado. Esse procedimento será adotado porque João Batista tem direito a foro privilegiado, uma vez que é parlamentar.

As igrejas estão isentas de pagar Imposto de Renda. A Constituição proíbe a União, estados e municípios de taxarem ¿templos de qualquer culto¿. Segundo o vice-presidente da Associação Nacional dos Fiscais da Previdência (Anfip), Rodolfo Fonseca dos Santos, como o dízimo dos fiéis é considerado uma doação, não é preciso recolher imposto. Rodolfo Santos explicou que as igrejas, porém, não estão liberadas de pagar a contribuição previdenciária, que é um tributo, de seus funcionários, como serventes, faxineiros, escriturários e contador. Caso o pastor seja remunerado pela igreja, ele terá que declarar Imposto de Renda, como pessoa física, e recolher as contribuições da Previdência. O imposto será pago sobre o seu rendimento e não sobre o que a igreja arrecada com as doações dos fiéis.