Título: FIM DO COMEÇO DO FIM DA POBREZA
Autor: JOSEPH E. STIGLITZ
Fonte: O Globo, 12/07/2005, Opinião, p. 7

Adecisão dos países ricos de perdoar a dívida multilateral dos países mais pobres do mundo é, por si, um grande acontecimento. Mas não devemos nos deixar levar pela aparente magnanimidade do gesto: a maior parte da dívida não seria mesmo paga. É preciso ampliar o perdão, incluindo mais países e mais dívidas (também as bilaterais). O perdão da dívida deveria ser visto apenas como o começo. A própria Grã-Bretanha ¿ que está à frente dessa iniciativa ¿ ressaltou que os países em desenvolvimento precisam de mais assistência e de um regime de comércio internacional mais justo.

Como talvez fosse de esperar, o FMI tentou jogar água fria no entusiasmo internacional por sua generosidade. O banco adverte que, de acordo com novos estudos, a ajuda não costuma produzir crescimento mais rápido.

Ouvir isso é um alívio para o governo Bush, que alega ter feito tudo que lhe permitiam seus ¿processos orçamentários¿. O país mais rico de todos, que alegremente concede a seus cidadãos mais ricos benefícios fiscais de centenas de bilhões de dólares, diz agora que simplesmente não tem condição de gastar mais com programas de ajuda.

Mesmo depois de aumentar a assistência anual prometida por Bush na reunião da ONU em Monterey, México, em 2002, os Estados Unidos ainda dão menos de um quarto da parcela de 0,7% do PIB que se comprometeram a dar. Agora o FMI lhes apresenta a seguinte garantia: ¿Vocês podem ser sovinas, e não honrar suas promessas, mas o dinheiro não faria mesmo grande diferença.¿

É claro que nem todo o dinheiro proveniente de ajuda externa é gasto com sabedoria. Isso vale também para o dinheiro gasto, por exemplo, com defesa nacional. Mesmo que os americanos não fossem enganados por fornecedores do Departamento de Defesa, como a Halliburton, está claro que o dinheiro gasto no Iraque não trouxe a paz e a segurança prometidas para o Oriente Médio. Nem por isso alguém ousaria defender o corte dos gastos dos EUA com sua defesa.

O objetivo deveria ser aumentar a eficiência do governo, dar um jeito de nos fazer gastar o nosso dinheiro da melhor forma possível. Surpreendentemente, houve notável avanço nessa questão nos últimos anos. O Banco Mundial, por exemplo, tem alocado uma fatia maior do seu dinheiro a países com história comprovada de dinheiro bem gasto. Tem explorado novos meios de ¿fazer a ajuda chegar¿ ao seu destino, utilizando-se por vezes de governos estaduais e municipais quando parece mais recomendável.

Da mesma forma, os chamados ¿Fundos Sociais¿, por meio dos quais as comunidades preparam projetos e competem por dinheiro, melhoraram a participação e a ¿propriedade¿ de projetos de desenvolvimento. Numa aldeia, construiu-se uma ponte para ligar dois bairros que ficavam separados na época das enchentes.

Um projeto simples como esse pode fazer enorme diferença na vida de uma comunidade. Por exemplo, as crianças que vivem de um lado do rio agora podem ir à escola do outro lado, na estação das chuvas. Da mesma forma, planos de microcrédito democratizaram o crédito no mundo em desenvolvimento, para que os pobres possam expandir suas empresas, com índices de quitação impressionantes.

O FMI alerta para o problema da ¿doença holandesa¿, situação em que o influxo de moeda estrangeira faz subir a taxa de câmbio, dificultando a criação de empregos no setor de exportações ou mesmo a proteção dos empregos existentes contra o ataque das importações mais baratas.

Nisso o FMI tem parcialmente razão. Os países precisam confiar em si próprios e mobilizar recursos internos (muito embora a insistência do FMI em políticas monetárias e fiscais severas torne isso em geral mais difícil). Mas continua existindo uma enorme necessidade de consumir bens importados ¿ remédios para melhorar a saúde, tecnologias para reduzir a distância entre os países em desenvolvimento e o resto do mundo, e máquinas para aumentar a produtividade.

Seja como for, não se deve, na minha opinião, dar muita importância aos estudos estatísticos do FMI sobre o impacto da ajuda externa nos índices de crescimento, em parte porque os resultados não parecem muito robustos. Outros estudos, com conjuntos de dados ligeiramente diferentes, em países diferentes, com técnicas diferentes e em anos diferentes, apresentam resultados bastante diferentes. Uma série de estudos anteriores, por exemplo, mostrou que a ajuda faz diferença em países que têm bom governo e sólidas políticas macroeconômicas.

Também é importante o fato de que, historicamente, muita ajuda externa foi dada não para estimular o desenvolvimento mas para comprar amizade, especialmente durante a guerra fria. O Ocidente, quando deu dinheiro a Mobutu, sabia que os fundos iam para contas numeradas na Suíça, em vez de beneficiar o povo do Zaire (atual Congo). O dinheiro trouxe o efeito desejado ¿ que não era ajudar a desenvolver o Zaire mas mantê-lo do lado do Ocidente.

A infinita corrupção de Mobutu, é claro, nos induz a sermos prudentes na questão da ajuda externa, seja no tocante à forma de aplicar o dinheiro ou em decidir quem será responsável por fazer a assistência chegar aos seus destinatários. Alguns governos se revelaram mais capazes do que outros no uso dos fundos. Em países de governo deficiente, geralmente há outras maneiras de dar assistência, entre elas as ONGs.

O apoio global ao esforço para ¿fazer da pobreza coisa do passado¿ mostra que a questão da pobreza do Terceiro Mundo finalmente provocou uma reação. O perdão da dívida é um bom começo. Não mais que isso.

JOSEPH E. STIGLITZ é economista. © Project Syndicate.

N. da R.: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço na segunda quinzena deste mês.