Título: A confissão do tesoureiro
Autor: Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 13/07/2005, O País, p. 3

Delúbio admitiu na PF que Valério intermediava encontros da direção do PT com empresários

Acusado de operar o suposto mensalão para o PT, o publicitário Marcos Valério funcionou, desde que o partido chegou ao poder, em 2003, como uma espécie de intermediário nas relações da direção petista com setores do empresariado. Ao depor na Polícia Federal no dia 8 passado, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares admitiu isso pela primeira vez, contando que foi Valério quem apresentou a ele e ao partido os dirigentes dos bancos BMG e Rural, que fizeram empréstimos de R$2,4 milhões e R$3 milhões ao PT. As duas operações tiveram o publicitário como avalista.

No depoimento ao delegado federal Luís Flávio Zampronha de Oliveira, tomado na Polícia Federal em São Paulo, Delúbio também contou que Valério foi o intermediário de uma visita feita por ele e pelo ex-presidente do PT José Genoino à siderúrgica Usiminas. O tesoureiro contou ainda que foi Valério quem promoveu uma reunião sua com o empresário Carlos Rotenburgo, do grupo Opportunity. No encontro, Rotenburgo teria solicitado uma aproximação com o PT para melhorar a imagem do grupo Opportunity. Segundo Delúbio, era comum nos encontros entre ele e Valério estarem presentes outras pessoas.

Amizade começou em 2003

O tesoureiro explicou que os dirigentes do BMG apresentados por Valério ofereceram as melhores condições para o empréstimo, que já tinha sido negado pelos bancos Santos, Bradesco, Schahin, ABN-Real, entre outros que o ex-tesoureiro disse não se lembrar mais. O banco exigia, entretanto, um avalista com bens para lastrear a operação. Delúbio tentou isentar o ex-presidente do PT José Genoino de participação no caso. Disse que ele sabia do pedido de empréstimo, mas não participou da escolha do banco ou do avalista. Delúbio declarou à PF ter como patrimônio R$163 mil numa conta bancária e um carro Corola, comprado parcelado.

O petista informou ainda que o pagamento da parcela de R$350 mil feito por Valério, referente aos juros, não foi contabilizado no Tribunal Superior Eleitoral.

No depoimento, Delúbio contou ter sido apresentado a Valério pelo deputado Virgílio Guimarães (PT-MG) no fim de 2002 no comitê central eleitoral do partido em São Paulo. No começo de 2003, Valério passou a coordenar a campanha do petista João Paulo Cunha (SP) à presidência da Câmara, quando ele e Delúbio ficaram amigos. Segundo o ex-tesoureiro, Valério queria atuar na área de marketing político, mas como o PT já tinha o publicitário Duda Mendonça, acabou fazendo apenas as campanhas petistas em São Bernardo do Campo, Osasco e Petrópolis, em 2004.

A partir de então, os dois passaram, segundo o relato de Delúbio, a se falar duas vezes por semana para tratar de política e a se encontrar em quartos de hotéis em São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. No depoimento, Delúbio cita o Intercontinental em São Paulo, o Ourominas em Belo Horizonte e o Blue Tree em Brasília.

No depoimento, o ex-tesoureiro do PT negou conhecer o petista José Adalberto Vieira da Silva - preso com R$200 mil numa maleta e US$100 mil na cueca, em São Paulo - e disse ser infundada a denúncia feita pelo motorista da deputada Neide Aparecida (PT-GO) de que teria transportado US$200 mil de carro do PT paulista para ajudar nas campanhas em Goiás. Segundo Delúbio, em 2004, o PT teve um déficit de R$20 milhões - arrecadou R$48 milhões e gastou R$68 milhões.

Sigilo ainda protegido

O presidente da CPI dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), afirmou ontem que a comissão está aguardando os originais dos documentos em que ex-dirigentes do PT abrem mão de seus sigilos bancários, fiscal e telefônico. A autorização de Genoino, Delúbio, do ex-secretário-geral Sílvio Pereira e do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu foram apresentadas na semana passada pelo senador Sibá Machado (PT-AC), que recebera os documentos por fax, em meio a uma acalorada discussão entre governo e oposição.

- Já pedi os originais dos documentos. Se elas não forem apresentadas até a próxima quinta-feira (amanhã), a CPI terá o nosso apoio para quebrar o sigilo dos quatro - anunciou o senador Sibá.

Sibá encaminhou ontem à CPI uma carta da nova direção do PT, assinada pelo presidente, Tarso Genro, o secretário-geral, Ricardo Berzoini, e o secretário de Finanças, José Pimentel, abrindo o sigilo bancário do partido por livre e espontânea vontade.

Uma compra sob suspeita

Contrato não teve licitação

BRASÍLIA. Eduardo Medeiros, ex-diretor de Tecnologia dos Correios, ficou em situação delicada durante seu depoimento na CPI ontem. Os deputados Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) e José Eduardo Cardozo (PT-SP) levaram Medeiros a admitir que sua diretoria contratou, sem licitação, a empresa Seal para a compra de 500 impressoras. Ele foi indicado ao cargo pelo ex-secretário-geral do PT Sílvio Pereira.

Medeiros chegou a negar que tenha ocupado o cargo por indicação, mas no fim admitiu ter sido apadrinhado de Sílvio. Magalhães Neto diz que há fortes indícios de ligação entre Sílvio e a paulista Seal.

Na licitação de R$22 milhões para o fornecimento de quatro mil impressoras, venceu a empresa Omini, que ofereceu o menor preço. Em segundo, ficou a Seal. Mas, segundo Cardozo, todas as especificações técnicas comprovariam que houve direcionamento para que a Omini fosse retirada do processo. Um parecer do departamento jurídico recomendou a sua revogação, mas logo depois a diretoria de Medeiros, alegando urgência, contratou a Seal.

- Está configurado crime: licitação conduzida e dispensa de licitação posterior contra a lei - disse Cardozo.

- Mas a contratação foi por preço mais barato que da licitação anterior - tentou justificar o ex-diretor.

Medeiros foi surpreendido quase no final de seu depoimento por uma denúncia do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) de que o empresário Vilmar Martins, da Metalúrgica Gadotti Martins, teve de pagar a ele em 1992 propina de US$20 mil para entregar seus produtos, depois de vencer uma licitação nos Correios para fornecer 901 carrinhos para transporte de correspondência. Sem perder a calma, Medeiros disse que a história é absurda.

Legenda da foto: DELÚBIO: CONVERSAS semanais com Valério em quartos de hotéis em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte