Título: FEBRABAN DESMENTE VERSÃO DA SEITA
Autor: Martha Beck e Enio Vieira
Fonte: O Globo, 13/07/2005, O País, p. 15

'Malas de dinheiro são comuns para máfias, caixas dois, corrupção', diz juiz

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O superintendente da assessoria técnica da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Jorge Igashino, desmentiu ontem a versão da Igreja Universal, que alegou que o deputado federal João Batista Ramos da Silva (PFL-SP), presidente da Igreja, viajava com R$10,2 milhões porque os bancos não aceitariam depósitos altos em notas de baixo valor.

- A informação não procede. Os bancos aceitam todos os depósitos em qualquer valor de notas e até moedas. Mas a pessoa tem de declarar a origem no caso de depósitos acima de R$100 mil. Informamos esses depósitos ao Banco Central e ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) - explicou Igashino.

A instituição informou que a determinação de repassar os dados dos depósitos acima de R$100 mil ao Coaf e ao BC é de junho de 2003 e atende à lei que combate a lavagem de dinheiro (lei federal 9.813, de março de 1998).

Segundo a Febraban, se a argumentação da Universal fosse verdadeira, seria impossível atender a supermercados, postos de gasolina e feirantes, que sempre trabalham com depósitos de grande volume e notas de baixo valor:

- O banco recebe o dinheiro e trata o numerário. Eu não sei qual a razão de alguém circular com tanto dinheiro e não tenho como entrar no mérito. Tem muita empresa em que o banco passa com o carro-forte e pega o dinheiro, como os supermercados, por exemplo.

Para o juiz Walter Maierovitch, ex-secretário nacional antidrogas e especialista em crime organizado, carregar sete malas cheias de dinheiro é no mínimo estranho:

- Malas de dinheiro são comuns para máfias, terrorismo, caixas dois, corrupção e evasão fiscal. Vamos imaginar que sejam doações legais. Mas como justificar malas em um tempo eletrônico? Se for dinheiro sem a identificação obrigatória, acabou-se de criar o dizimão. E infringiram-se as leis de lavagem de dinheiro e de caixa dois (a lei 7492, de 1986).

Maierovitch, que preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone (IBGF), afirmou que o uso de malas para transportar dinheiro é uma prática retomada pela máfia e pelo terrorismo em todo o mundo.

- Dinheiro deixa rastro, principalmente depois do 11 de setembro, quando o sistema bancário apertou o cerco contra o terrorismo. Então, as organizações mafiosas e terroristas resolveram sair do sistema virtual e entrar no sistema real: saíram da telemática e entraram nas malas - disse o especialista.

Maierovitch informa que as máfias batizaram esse esquema de transporte de dinheiro de "sistema ferroviário". Pelo esquema, não são usados meios digitais e nenhuma forma de deixar rastro, nenhum email, nenhum depósito, apenas malas de dinheiro que circulam por aeroportos, rodoviárias, estradas e trens:

- Aqui é a lavanderia Brasil. Somos uma terra de impunidade. O Coaf só apareceu agora por causa das CPIs, do contrário ficaria no mais absoluto silêncio. Já foi comprovada também a ligação do crime organizado com campanhas eleitorais. Agora, pelo caminho, passam malas de uma seita religiosa.

Deputado diz que PF agiu de forma arbitrária

Em discurso no plenário da Câmara ontem, o deputado João Batista Ramos acusou a Polícia Federal de agir de forma arbitrária e criticou o partido por tê-lo expulso sem direito de defesa. Ele disse que transportava o dinheiro porque não tinha como depositá-lo devido a um feriado bancário.

João Batista afirmou que os gerentes dos bancos se recusariam a receber soma tão grande por apenas algumas horas, já que seria transferida imediatamente para outros bancos.

- Não se tratava de dinheiro ilegal, já que sua origem e seu destino eram conhecidos e não há lei neste país que proíba ou limite a determinado valor o transporte de moeda nacional em território nacional.

COLABOROU Evandro Éboli

Legenda da foto: JOÃO BATISTA discursa na Câmara: "Não se tratava de dinheiro ilegal"