Título: As mudanças
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 13/07/2005, O Globo, p. 2

O presidente Lula embarcou para a França com uma terrível dor ciática. Doença como metáfora da hora mais difícil na Presidência. Levou uma pesquisa mostrando que sua popularidade resiste ao mar de denúncias contra o PT, em mais um sinal de que a crise atinge centralmente os partidos, o Congresso e a política. Deixou um governo parcialmente renovado e certa clareza sobre as ameaças a seu mandato.

Certa clareza porque, nas conversas que teve para encaminhar as trocas do Ministério, em nenhum momento pronunciou palavras como impeachment ou renúncia. Mais de uma vez, porém, recriminando os que cometeram desvios, afirmou que a crise é pilotada pelos que desejam "atingir" seu mandato.

A renovação parcial do Ministério traz algum conforto para o governo, a começar pelo reforço de sua fragilizada vanguarda parlamentar com a volta de deputados como Ricardo Berzoini (PT), Aldo Rebelo (PCdoB), Eduardo Campos (PSB) e Nilmário Miranda (PT). Cresceu a profissionalização dos ministros com escolhas técnicas como a de Sergio Rezende, atual presidente da Finep, PhD pelo MIT, membro da Sociedade Internacional de Física, para a pasta da Ciência e Tecnologia. Ou a confirmação, ainda não oficial, de Fernando Haddad, um técnico com sensibilidade política, que vem do governo passado, para o MEC.

A confirmação de Jaques Wagner na Coordenação Política resolve um problema antigo, que Lula demorou demais a enfrentar. Aldo, enfraquecido pelos ataques do PT, já perdera as condições de atuar, sobretudo agora, depois que PT tornou-se o próprio nome da crise. Jaques, um independente, tem trânsito em todas as correntes de seu partido e bom diálogo com partidos aliados e da oposição. Com todos, o Palácio precisará conversar muito.

Dispensar Aldo e Eduardo Campos foram as decisões mais difíceis para Lula. No domingo ele teve uma conversa com os dois sobre a necessidade de reforçar o flanco parlamentar. Lembrou o quanto foram eficazes na primeira fase do governo, quando Aldo era líder e Eduardo vice-líder do governo. Mas começou dizendo que, se não estivessem de acordo, a conversa nem prosseguiria. Continuariam ministros. Ambos dispuseram-se a fazer o que lhe parecesse mais importante nesta hora. A conversa só foi concluída à meia-noite de segunda-feira, depois de nova avaliação sobre a fragilidade parlamentar. Eles não serão vice-líderes de Arlindo Chinaglia (satisfeito com o reforço), mas poderão, disse Lula, falar do governo e defendê-lo no Congresso com conhecimento e segurança. Irrita-o a timidez dos aliados diante da artilharia da oposição. Dirceu voltou, lembrou Lula, mas não tem a menor condição de ajudar o governo, ocupado que está com a própria sorte.

Nilmário Miranda saiu não porque será candidato a qualquer cargo majoritário em Minas, como foi dito por engano. O que ele pretende é dedicar-se às eleições internas como candidato a presidente do PT de Minas, dentro do processo de reestruturação que começou pela direção nacional. Por fim, a subordinação de Luiz Gushiken à ministra Dilma, da Casa Civil, agora sem o título de ministro, foi passo necessário para o maior controle da Secom, foco de tantas denúncias. Falta ainda decidir quem ficará na Previdência.

Tudo isso, entretanto, apenas confere ao presidente melhores condições de operação administrativa e maior conforto na ação política, contando-se que o grupo do PMDB que ganhou três ministérios seja leal ao governo.

O que se continua dizendo à sua volta é que, num segundo momento, terá que tomar alguma decisão política de alta envergadura, que o coloque acima do PT, dos partidos e da própria crise. Mas ninguém, até agora, deu a receita material para essa iniciativa.