Título: SEGURANÇA AFROUXADA
Autor: Célia Costa
Fonte: O Globo, 13/07/2005, Rio, p. 16

Pesquisa mostra que um em cada cinco motoristas cariocas não usa mais o cinto

Em novembro, a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança completa 11 anos. Apesar disso e de numerosos casos de motoristas salvos por cumprir a lei, uma pesquisa encomendada pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) mostrou que 18% dos cariocas - ou seja, um em cada cinco - continuam se arriscando ao volante. Num universo de 20 mil entrevistados, só 82% usavam o cinto. O percentual preocupa especialistas porque houve um decréscimo na utilização do equipamento desde 1999, quando pesquisa igual constatou o índice de 92%.

O médico José Sérgio Franco, ex-presidente da SBOT, disse que é preciso fazer uma divulgação maciça dos novos números. Amanhã, especialistas do Brasil e do exterior discutirão a pesquisa no XVIII Congresso Internacional de Atualização em Ortopedia e Traumatologia, que será realizado até sexta-feira no Hotel Inercontinental. O objetivo é alertar a população para o perigo de não se usar o cinto.

A punição prevista em lei para os infratores é dura. De acordo com o artigo 167 do Código de Trânsito Brasileiro, dirigir e transportar passageiros sem o cinto de segurança é infração grave, com perda de cinco pontos na carteira de habilitação. O motorista tem de pagar multa de 120 Ufirs (cerca de R$127) e, como medida administrativa, um agente de trânsito ainda pode reter o veículo até que todos os seus ocupantes coloquem o cinto.

Uso do cinto é maior entre as mulheres

O trabalho foi realizado pelo WM Instituto de Pesquisa, de 28 de junho ao dia 1º deste mês. A pesquisa mostrou também que as mulheres usam mais o cinto que os homens. Os índices são semelhantes: o equipamento era utilizado por 81,98% dos homens e 81,15% das mulheres. No entanto, o médico José Sérgio Franco, coordenador do congresso, fez uma ressalva: levando-se em conta que há menos mulheres com habilitação que homens no estado (40% contra 60%), proporcionalmente elas respeitam mais o Código de Trânsito que seus colegas do sexo masculino:

- A pesquisa nos mostrou que as coisas não estão tão bem. Está havendo um declínio no uso do cinto de segurança, o que é muito grave.

O Centro é a área onde o cinto é mais utilizado (98%). Em seguida vêm as zonas Sul (82%), Norte (79%) e Oeste (70%). A provável explicação para esses índices é que o uso é maior onde há mais fiscalização.

Jovens estão mais conscientizados

A pesquisa também traz dados que deixaram os médicos otimistas. Na amostra de 400 motoristas entrevistados sobre os motivos para o uso ou não do cinto, constatou-se que, entre os mais jovens (na faixa de 18-19 anos), as razões mais importantes são a segurança e o respeito à vida com 42%. Entre os mais velhos, o principal motivo foi cumprir a lei como forma de evitar a multa.

- Os jovens cresceram dentro da vigência da lei e têm mais consciência da importância o uso. É mais difícil mudar hábito de velho - brincou José Sérgio Franco.

Para a não utilização do cinto, a maioria culpou a insegurança. Entre os jovens, 37% disseram que o equipamento é ruim em casos de assalto. Também se atribuiu a infração ao esquecimento e até à falta de hábito.

- Mais do que pensar no cumprimento da lei, é preciso ter em mente que o cinto de segurança diminui a gravidade dos acidentes - acrescentou o médico.

Segundo ele, o uso do cinto por passageiros do banco de trás é outro ponto necessário no caso de ser feita uma campanha. Estudos mostraram que uma criança de 20 quilos, solta no banco de trás, numa batida a 50Km/h passa a pesar 300 quilos. Com um adulto de 60 quilos, o impacto sobre os passageiros da frente pode ultrapassar uma tonelada.

No congresso, será apresentada uma pesquisa mostrando a inadequação dos veículos em relação à segurança das mulheres. O médico americano Jorge Alon, da Universidade do Alabama e um dos inventores do air-bag, apresentará o estudo que prova que, nos acidentes de trânsito, as mulheres sofrem lesões muito mais graves que os homens.

Casos que comprovam a importância de se usar o acessório

Acidentes em que as vítimas não usavam cinto de segurança - o que é mais comum com os que viajam no banco de trás dos carros- costumam ter conseqüências graves.

AMÉRICAS: Em 11 de março de 2003, um acidente na Avenida das Américas, na Barra, deixou três mortos e dois feridos no início da madrugada. Um Peugeot bateu num poste, derrubou-o e capotou. Três jovens que iam no banco de trás e não usavam cinto de segurança morreram na hora: Fabrício Pinto da Costa Diniz, de 20 anos; Mariana Alves de Aquino Lopes, de 18; e Juliana Teixeira Vasconcelos dos Anjos, também de 18. O motorista, Marcelo Henrique Negrão Kijax, de 20 anos, e a ocupante do banco do carona, Aline Silva de Macedo, de 18, que usavam cinto, sofreram apenas ferimentos leves.

LINHA AMARELA: Em 18 de julho do ano passado, um acidente semelhante, de madrugada, na Linha Amarela, causou a morte de três mulheres e deixou dois rapazes gravemente feridos. Um Mazda que ia em direção à Barra bateu em alta velocidade na parede lateral do túnel na altura do Tanque, em Jacarepaguá, e capotou. Morreram Amanda Ferreira Araújo, de 23 anos, Débora Ferreira Amaral, de 20, e Débora Paiva, de 21, que viajavam no banco de trás sem o cinto. Joaquim Márcio e Rodrigo Ferreira, ambos de 22 anos, tiveram ferimentos graves, mas escaparam porque estavam com o cinto nos bancos da frente. Sem o cinto de segurança, Amanda e Débora Ferreira foram projetadas através do vidro traseiro e morreram na hora. Débora Paiva morreu no hospital.

LARANJEIRAS: Em 7 de outubro de 2002, um acidente em Laranjeiras matou o estudante Max Fernando Maia da Paixão, de 21 anos, que estava sem o cinto de segurança. Segundo testemunhas, o Siena que ele dirigia derrapou na curva acentuada em frente à Dataprev e acabou batendo num poste, na altura do número 550 da Rua das Laranjeiras. Cinco amigos do rapaz, que estavam no carro, ficaram feridos.

ROSINHA: Em 12 de dezembro passado, a vítima foi a própria governadora Rosinha Garotinho. O carro blindado em que ela viajava foi atingido por outro veículo na Avenida Brasil. A governadora, que estava no banco de trás sem o cinto, precisou fazer fisioterapia e ficou com fortes dores no pescoço (por ser alérgica, ela não pode tomar analgésicos).

ROMARINHO: Em 23 de setembro de 2003, a Blazer que conduzia Romarinho, então com 10 anos, filho do jogador Romário, foi atingida por um Toyota Corolla, na Barra. O menino, que estava sem cinto de segurança, passou 30 horas internado no Hospital Barra D'Or, em observação.

DIAS GOMES: Em 18 de maio de 1999, em São Paulo, a morte do dramaturgo Dias Gomes, num acidente de táxi, poderia ter sido evitada com o uso do cinto de segurança no banco de trás. No acidente, a porta de trás do carro se abriu e Dias Gomes caiu, batendo a cabeça numa mureta de concreto.

Legenda da foto: O MAZDA que capotou na Linha Amarela: as três passageiras que viajavam no banco de trás sem cinto morreram. Dois rapazes que usavam o acessório sobreviveram