Título: Diretor da Abin chama CPI de picadeiro e é demitido
Autor: Ilimar Franco/Evandro Éboli/Adriana Vasconcelos
Fonte: O Globo, 14/07/2005, O País, p. 5

Em mensagem a servidores, Mauro Marcelo classificou integrantes da comissão de bestas-feras, causando forte reação

BRASÍLIA. O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Mauro Marcelo, foi demitido ontem à noite pelo presidente da República em exercício, José Alencar, durante reunião com os ministros do Gabinete de Segurança Institucional, Jorge Félix, e da Coordenação Política, Jaques Wagner. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está na França, apoiou a decisão e foi informado, por telefone, dos fatos e da evolução da crise criada com o Congresso por causa do e-mail, enviado por Mauro Marcelo a servidores da Abin, chamando a CPI dos Correios de picadeiro e os integrantes da comissão, de bestas-feras.

Ao chegar ao Planalto para ser demitido, Mauro Marcelo manteve as declarações de sua mensagem na internet, mas disse que não teve a intenção de ofender os parlamentares. Segundo ele, seu objetivo era mostrar que o agente da Abin Edgar Lange fora exposto à humilhação e à execração pública, quando teve que prestar depoimento em sessão aberta.

O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), e o senador da oposição Romeu Tuma (PFL-SP), que tem fortes ligações com a Polícia Civil de São Paulo e com a comunidade de informação, tentaram segurar Mauro Marcelo no cargo, alegando que a demissão era uma punição muito alta para o erro.

Desde cedo, a mensagem do diretor-geral da Abin provocara violenta reação no Congresso. O texto foi lido na CPI pelo líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ).

Mauro Marcelo já vinha enfrentando problemas no Planalto desde a saída de José Dirceu da Casa Civil. O relacionamento de Mauro Marcelo com seu superior imediato, general Jorge Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), estava desgastado. O general enviou ontem mesmo um ofício à CPI confirmando a autenticidade do texto de Mauro Marcelo.

Irritado com o tom do texto, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), defendera a demissão de Mauro Marcelo, chamado por ele de destrambelhado e "aprendiz de araponga incompetente".

- Administrativamente, cabe ao presidente Lula decidir o destino do diretor-geral da Abin, mas se esse destrambelhado fosse funcionário do Legislativo já estaria demitido no primeiro momento - dissera Renan.

No início da noite, a CPI aprovou a convocação de Mauro Marcelo e do general Jorge Félix. A CPI também vai pedir ao Ministério Público que apresente uma ação criminal contra Mauro Marcelo. O presidente da CPI, Delcídio Amaral (PT-MS), também encaminhara ao ministro Jorge Félix uma carta de repúdio e pedindo que o fato seja comunicado ao presidente Lula.

O presidente do Senado dissera que tomaria providências para defender a imagem do Congresso, seja processando ou convocando o diretor da Abin para dar explicações sobre a nota, que enviou a seus subordinados manifestando contrariedade com a convocação do agente Edgar Lange pela CPI.

Da tribuna, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), também cobrara a demissão de Mauro Marcelo:

- Essa nota impõe algumas providências. Primeiro a convocação do senhor Mauro Marcelo e do general Jorge Félix para sabermos até que ponto a briga entre a Abin e o Gabinete de Segurança Institucional está prejudicando as investigações da CPI. A outra, cobrar a demissão dele diante da sua falta de compostura - ressaltou Virgílio.

Rasgando a cópia da nota de Mauro Marcelo, o líder tucano disse esperar agilidade do presidente Lula.

Em aparte, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) emendou:

- Bestas-feras ele (Mauro Marcelo) encontra no Palácio do Planalto.

Texto irritou atédeputados do PT

O texto irritou até mesmo deputados do PT. O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) chamou de inaceitáveis as ofensas. Cardozo disse ainda que o presidente Lula precisa ser informado imediatamente do fato. Jorge Bittar (PT-RJ) disse que está indignado com o texto e afirmou que a nota não reflete a orientação do presidente. No documento, Mauro Marcelo ainda ataca a Advocacia Geral da União (AGU).

A carta polêmica

A íntegra da mensagem do diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Mauro Marcelo de Lima e Silva, no Informativo Portal Abin:

"Há mais de um mês acompanhamos com perplexidade o envolvido do nome da Abin com o caso dos Correios. Por mais de uma vez já informei aos senhores da lisura de nossa participação na coleta de dados e produção de conhecimento nesse evento. Tentamos até a última hora evitar o depoimento do Lange na CPI, mas não foi possível.

"Os estragos à atividade profissional do Lange, mais os estragos à nossa reputação, só poderão ser avaliados com o tempo. Neste exato momento, O que devo fazer é elogiar a conduta profissional de Lange, como um verdadeiro herói ao enfrentar as bestas-feras em pleno picadeiro.

"Estou, pessoalmente, tentando entender a falta de empenho da AGU na proteção de nosso servidor. Isso poderia ter acontecido com qualquer um de nós. Desse episódio vamos tirar muitas lições, mas lembrem-se: só podemos consertar o telhado com o tempo bom."

Legenda da foto: MAURO MARCELO, que em nota chamou a CPI dos Correios de picadeiro