Título: Bagdá: suicida mata 24 crianças em fila de doces
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Fonte: O Globo, 14/07/2005, O Mundo, p. 31

Carro-bomba atinge multidão num bairro xiita pobre da capital do Iraque. Número de mortos pode passar de 30

BAGDÁ. Numa demonstração da extrema crueldade de terroristas no Iraque, um suicida detonou ontem um carro-bomba no meio de uma multidão formada principalmente por crianças, às quais soldados americanos distribuíam balas e doces, num bairro xiita pobre de Bagdá. Segundo a polícia iraquiana, morreram 27 pessoas, 24 delas crianças. Outras fontes dizem ter morrido 32 crianças e adolescentes. Muitas crianças estão também entre as pelo menos 67 pessoas feridas. Um soldado americano morreu.

O tenente-coronel Kevin Farrel, comandante de um batalhão, afirmou que seus soldados haviam cercado uma área de casas próxima a uma avenida para uma operação de busca no bairro Bagdá al-Jedidah. Segundo ele, o terrorista suicida dirigia uma caminhonete-bomba por uma rua lateral, não conseguiu furar o bloqueio e explodiu o veículo no meio da multidão que se concentrava em torno de um veículo militar Humvee, para receber guloseimas.

- A cena é quase indescritível - disse ele. - As pessoas mais próximas da explosão literalmente desapareceram.

Moradores teriam sido aconselhados a ficar em casa

Segundo relatos não confirmados, as forças americanas haviam bloqueado as saídas do bairro depois de serem informadas de que um terrorista suicida circulava num carro-bomba, e haviam pedido aos moradores que permanecessem em casa.

- Mas as crianças cercaram os americanos, que lhes davam doces, quando de repente o carro-bomba surgiu numa rua lateral e explodiu - disse Mohamed Ali Hamza, de 25 anos, morador da área.

Líderes internacionais se disseram chocados com o atentado. O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, afirmou tratar-se de "um ato sem sentido".

- Nada se conseguirá com o assassinato de inocentes - declarou Annan.

O Hospital Kindi disse ter recebido corpos de 24 crianças com idades entre 6 e 13 anos. Outros cadáveres teriam ido para outro local. Entre os feridos havia um bebê. Porta-voz das forças americanas, o major Russ Goemaere comentou:

- O motorista do carro-bomba decidiu deliberadamente atacar um de nossos veículos quando os soldados estavam realizando uma operação pacífica com cidadão iraquianos. Não há dúvidas de que o terrorista viu as crianças em torno do Humvee quando atacava.

A explosão aconteceu por volta das 10h30m (hora local). Abriu uma cratera e , segundo um cinegrafista, derrubou três casas. Em torno da cratera se viam chinelos de crianças e partes de corpos. Mulheres desesperadas gritavam perto de poças de sangue. De véu preto, mães bateram em suas faces e corpos, num ritual que expressa profunda tristeza, quando corpos de seus filhos eram postos em caixões. Abu Hamed, que perdeu seu filho de 12 anos no atentado, contou que estava em casa quando ouviu a explosão.

- Corri para fora à procura de meu filho. Só encontrei sua bicicleta - disse.

Hamed afirmou ter encontrado o corpo do filho no necrotério do Hospital Kindi:

- Eu o reconheci pela cabeça. O corpo estava completamente queimado.

Atentado semelhante aconteceu no ano passado

Abu Mohammed, um iraquiano de barba grisalha, disse:

- Meu filho teve sorte. Foi ferido por um estilhaço que se alojou na sua cabeça. Todos os seus amigos morreram.

O atentado foi semelhante a outro ocorrido na capital em setembro do ano passado, quando dois carros-bomba explodiram, matando 41 pessoas, 34 delas crianças às quais soldados distribuíam balas.

As forças americanas atribuem a maioria dos atentados suicidas a radicais sunitas estrangeiros do grupo do jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, principal aliado da al-Qaeda no país. E disseram ter capturado na madrugada de ontem Abu Abd Al-Aziz, tido como o principal dirigente do grupo de Zarqawi em Bagdá. Os atentados no Iraque se intensificaram depois da posse do governo iraquiano dominado por xiitas, em abril.

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