Título: Feitiçarias
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 14/07/2005, O Globo, p. 2

Coube ao prefeito de São Paulo, José Serra, tirar o PSDB do caminho tortuoso que estava seguindo ao levantar a bandeira da renúncia de Lula à reeleição, apresentada por Fernando Henrique. No PFL, é o líder Rodrigo Maia que contesta o discurso do "apodrecimento" de Lula difundido por Agripino Maia e outros próceres. Nas duas frentes da oposição, constrangimentos recentes também pesaram na inflexão.

Entre os tucanos, Serra ficou desde o início a meia distância da posição mais amistosa para com Lula, adotada por Aécio Neves e outros governadores, e a de Fernando Henrique, seguida pelos senadores Tasso Jereissati e Arthur Virgílio. Ao propor o que os petistas chamam de "renúncia branca" de Lula, Fernando Henrique, no dizer da maioria tucana, quis ele mesmo pôr preço na crise, e o fez antes da hora. Mas ele apresentou a proposta também para se contrapor a Aécio, depois que este foi ao Planalto, levado pelo ministro Antonio Palocci, para uma conversa com Lula.

Sem usar a palavra golpismo, Serra fez ver aos tucanos, na reunião da executiva, que a idéia carrega esta conotação e só serve para dar discurso aos adversários que se afogam no mar de denúncias. O que cabe à oposição, disse ele, é concentrar todas as energias na apuração de tudo. Esclarecidos os fatos, separados os grãos de trigo do matagal de joio, que prevaleça a Constituição. Em outras palavras, Lula será julgado pelas urnas, podendo perder ou ganhar, se seu mandato, e conseqüentemente seus direitos políticos, não forem atingidos pelas denúncias. Neste caso, cabe ao PSDB buscar o melhor candidato e ir à luta eleitoral. A hipótese contrária, por enquanto, é apenas isso, uma hipótese.

No PFL, o discurso que ganhou mais ressonância foi o de Bornhausen e Agripino Maia, que em resumo diz o seguinte: não pediremos o impeachment de Lula em hipótese alguma. Queremos que o governo apodreça para ser derrotado. Bornhausen chegou a dizer que Lula "deve ser condenado a disputar a reeleição para ser julgado pelas urnas".

Lula, de sua parte, já havia refugado frontalmente a oferta que se traveste de tentativa de proteção mas carrega também, como disse Elio Gaspari, o velho medo do voto alheio. O que, aliás, é justificado pela pesquisa CNT/Sensus que mostra um Lula ainda favorito, tendo como principal adversário o próprio Serra.

Rodrigo Maia também evita contenda com seus "mais velhos", mas diz que o único dever da oposição é investigar as denúncias em toda a sua extensão, sem se perguntar aonde elas vão chegar.

- Não devemos temer nada nem ter a ilusão de que a crise pode nos favorecer. Se ela favorecer a democracia e os costumes, está de bom tamanho. A Constituição e a lei estão aí para serem aplicadas, quaisquer que sejam as conclusões.

Não temendo nada, mas buscando evitar mais turbulência na CPI, levando a ela assuntos que não se enquadram no "fato determinado" que a justifica, Maia tem usado outras vias para investigar a constituição da sociedade entre a empresa do filho de Lula, Fábio, e dos irmãos Bittar com a Telemar.

Anteontem, ele apresentou vários requerimentos sobre o assunto às comissões de Tributação e Finanças e de Comunicação, Ciência e Tecnologia da Câmara. Está convocando para prestar esclarecimentos os dirigentes da Previ e da Petros, fundos de pensão que são sócios da Telemar, a própria Telemar, o BNDES, que é outro sócio, e um representante da Trevisan Associados, que intermediou o negócio.

Os pefelistas, para os petistas, ficaram bem mais mansos a partir da apreensão das sete malas de dinheiro do deputado João Batista Ramos, já expulso do partido, e de outras 11, agora protegidas por um vereador do PL e um deputado estadual do PFL, em Minas. Dinheiro atribuído aos crentes explorados pela Igreja Universal, mas sempre protegido por parlamentares.

Como diz a historiadora Maria Aparecida Aquino, estão todos no jogo do aprendiz de feiticeiro. É contra este jogo perigoso que falaram Serra e Maia.

A palavra-código no governo é "fio encapado". E a ordem é usar chave elétrica para descobrir os que ainda existem, para serem desativados e removidos. A oposição diz que há uma teia.

Escalação

A CPI dos Correios deve aprovar hoje a convocação de Sílvio Pereira e Delúbio Soares para deporem na semana que vem. É cedo ainda para convocar Dirceu ou Genoino, entendem o relator Osmar Serraglio e mesmo a oposição.

Já o agora ex-diretor da Abin, Mauro Marcelo, se aprovado o pedido de convocação do deputado Eduardo Paes, vai falar do cargo como uma experiência do passado. Depois de pedirem também sua exoneração, os petistas fizeram pressão telefônica sobre Lula em Paris para que demitisse o subordinado em função das ofensas a uma CPI do Congresso. A pressão acabou dando resultado.

UM VELHO AMIGO de Lula, funcionário dos Correios, tentou algumas vezes contar ao presidente o que se passava por lá. Nunca conseguiu um mensageiro que funcionasse.

DIFICILMENTE Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, sairá na reforma ministerial com a desculpa de que será candidato em 2006. Conta o governo com o arquivamento, em breve, da investigação contra ele. Aí, poderá até ser dispensado, mas não correndo mais o risco de sofrer ordem de prisão dada por um juiz de Goiás. Lula não se esquece de que Meirelles jogou fora um mandato de deputado para servir a seu governo.