Título: Colarinho branco de salto alto
Autor: Carlos Orletti/Ronaldo D"Ercole/Giuliano Ventura/
Fonte: O Globo, 14/07/2005, Economia, p. 23

Polícia Federal prende donos e diretores da Daslu por suspeita de sonegação fiscal

Pouco mais de um mês após ser inaugurada com uma festa que durou um fim de semana e contou com autoridades como o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e o prefeito paulistano José Serra, a Daslu, a maior e mais famosa loja de artigos de luxo do país foi tomada de assalto por agentes da Polícia Federal e da Receita. A Daslu foi alvo da Operação Narciso, da PF, da Receita e do Ministério Público Federal, que prendeu por suspeita de sonegação fiscal e formação de quadrilha a empresária Eliane Tranchesi e seu irmão, Antônio Carlos Piva de Albuquerque, sócios na loja.

A Operação Narciso mobilizou 250 agentes da PF e 80 auditores da Receita, que cumpriram 36 mandados de busca e apreensão e quatro ordens de prisão. Uma inspeção de rotina da Alfândega do Aeroporto de Guarulhos, no início do ano passado, foi o estopim da operação.

Na inspeção de um contêiner de sapatos e bolsas da grife italiana Gucci, a Receita verificou que a mercadoria não correspondia à descrição das guias de importação. Além disso, as faturas originais do fabricante, emitidas em nome da Daslu, estavam dentro do contêiner e apresentavam preços muito superiores aos descritos nas guias.

A partir disso, descobriu-se uma rede de empresas-fantasma - dez delas sediadas no Brasil e pelo menos uma no exterior - que atuavam como intermediárias, emitindo notas falsas com valores subfaturados, que acabavam recolhendo muito menos impostos (de Importação, IPI, PIS/COFINS e ICMS).

- Essa operação foi mais um golpe no crime organizado - disse o superintende da PF em São Paulo, José Ivan Guimarães Lobato.

Eliana Tranchesi foi ouvida ontem mesmo pelo procurador da República que coordena as investigações, Matheus Baraldi Magnani. E negou ter conhecimento de fraudes nas importações da loja. Disse que apenas "cuidava do marketing, do glamour" e que nada sabia sobre as áreas comercial e fiscal do negócio.

Depois de passar dez horas na sede da PF em São Paulo, a pedido do Ministério Público a Justiça determinou o relaxamento de sua prisão. A empresária saiu da PF pela garagem exclusiva dos funcionários.

- Os documentos apreendidos são bastante satisfatórios e vamos avaliar a necessidade de manutenção da prisão - disse Magnani.

O irmão e sócio da empresária, Antônio Carlos, e o contador da Daslu, Celso de Lima, que segundo a Receita é também sócio de uma das importadoras laranja, estão presos e foram interrogados ontem à noite. Segundo Magnani, eles apresentaram "versões contraditórias e inverossímeis" sobre os métodos de importação. Todos os envolvidos são acusados de formação de quadrilha, falsificação de documentos, sonegação fiscal e descaminho (fraude na importação de produtos lícitos).

Segundo a Receita, pelo menos dez empresas (a maioria tradings) faziam parte do esquema. Duas delas, a Magnun, em Guarulhos, e a Multimport, em São Paulo, eram empresas de fachada e foram inabilitadas pela Receita há alguns meses. Um quarto mandado de prisão foi expedido contra um sócio da By Brasil Trading, de Santos. Mas o empresário não foi encontrado.

Em Itajaí (SC), a PF cumpriu mandado de busca e apreensão na Sertrading. A PF disse acreditar que a empresa seja de fachada porque não tinha telefone nem energia elétrica. A matriz da Sertrading, em São Paulo, é presidida por Alfredo de Goeye, pai da estilista Fernanda de Goeye, sócia da grife Raia de Goeye. Fernanda é ligada a Eliana. A diretoria da Sertrading em São Paulo não retornou as ligações do GLOBO.

O Ministério Público Federal não descarta pedir ajuda às Justiças americana e italiana para as investigações, para obter documentos sobre os negócios da Daslu naqueles países.

Em Vitória, a PF vasculhou o escritório de uma empresa de comércio exterior, apreendendo três computadores, notas fiscais, documentos de importação e exportação, contratos e agendas. O material será enviado à sede da PF em São Paulo.

(*) Especial para O GLOBO

O que eles disseram

"Só cuidava do marketing, do glamour. Não sei nada das áreas comercial e fiscal"

Eliana Tranchesi dona da Daslu, segundo o procurador Matheus Magnani

"Deveriam sim é abrir a sede do PT para ver o que existe lá e averiguar por que razão o filho do presidente recebeu dinheiro da Telemar"

ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃESsenador do PFL e amigo de Eliana Tranchesi, referindo-se à sociedade da empresa de Fábio, filho de Lula, com a Telemar

"Apesar de terem afirmado que a investigação está sendo feita há vários meses, essa operação é uma retaliação política e uma maneira de desviar a atenção da CPI. Apreender os livros de contabilidade, tudo bem. Agora, invadir a casa e levá-la presa foi uma arbitrariedade, e acusá-la de formação de quadrilha, um exagero"

JULIO REGOconsultor de moda

"Do PT, prendem a cueca; do PFL, a mala; e, do PSDB, o guarda-roupa inteiro. O alto tucanato se abastece na Daslu"

JORGE BASTOS MORENOjornalista. A frase está no blog do colunista do GLOBO

"A polícia tem dois pesos e duas medidas. A Daslu é um símbolo da desigualdade social? É. Mas lá vai quem quer e gasta como quer. Deve ser investigada. Mas a sede do PT não foi invadida. E supõe-se que de lá saiu o dinheiro que foi para malas e cuecas"

JOSÉ AGRIPINOlíder do PFL