Título: Em Paris, Lula silencia sobre corrupção e crise
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 14/07/2005, O País, p. 13

Presidente não respondeu à única pergunta feita sobre as denúncias e preferiu falar sobre o papel do país no mundo

PARIS. O primeiro dia da visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à França foi marcado pelo silêncio em relação à crise política no governo. Silêncio do presidente e dos franceses. Num dia cheio de compromissos e discursos, Lula não respondeu à única pergunta feita ontem sobre corrupção, na Universidade Sorbonne.

Stephane Monclaire, professor de ciência política, quis saber se corrupção, desemprego, desigualdade social e violência eram entraves à democracia na América Latina. Mas Lula preferiu responder a uma outra pergunta, sobre o papel do Brasil no mundo. Defendeu a Venezuela e o Haiti. Foi tão efusivo que acabou interrompido por aplausos.

Lula, visivelmente cansado, começou sua maratona de três dias em Paris participando de um colóquio na Sorbonne, sob o título de "Brasil, ator global". Seu discurso, de 35 minutos, foi praticamente todo dedicado à política externa. Ele voltou a falar da necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU, fez críticas a "procedimentos medievais da OMC", queixou-se da dívida que o mundo tem com a África, da falta de apoio suficiente para o Haiti e mencionou o sucesso do programa brasileiro contra a Aids.

Lula foi recebido com aplausos em Paris

Dos cinco discursos do dia, a única menção à questão interna brasileira foi a uma platéia de empresários:

- O Brasil é uma democracia madura, dotada de instituições sólidas e de um ambiente seguro para os investimentos de longo prazo.

Na platéia, por onde ele passou, aplausos efusivos. Até de Alain Touraine - um dos sociólogos mais respeitados da França, amigo e ex-professor de Fernando Henrique Cardoso -- partiu ontem em defesa de Lula, dizendo que ele é uma pessoa íntegra e deve ser poupado. Touraine disse que não é hora de "botar lenha na fogueira" e abrir o caminho do Brasil para o populismo.

A Bastilha cai aos pés de Lula

Presidente é recebido como popstar em show de brasileiros na capital francesa

PARIS. A Praça da Bastilha, palco da Revolução Francesa, caiu. Desta vez, na folia, ao som de um megashow de artistas brasileiros, animado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A capital francesa estava quente, com 30 graus de temperatura. Jorge Benjor e Gilberto Gil haviam acabado de cantar "Fio Maravilha" quando o presidente entrou no palco com dona Marisa. A platéia veio abaixo.

- Ai meu Deus, o Lula!!! Ele é o meu ídolo - emocionou-se Simone de Araujo Amaral, de 22 anos, estudante paulista na França, que contou acompanhar com tristeza os escândalos no Brasil, mas disse ter a certeza de que o presidente não tinha nada com os fatos.

Na praça lotada e colorida de verde e amarelo - a polícia francesa estimou o público entre 50 mil e cem mil pessoas - Gil apresentou Lula à platéia com a descontração que o ambiente pedia:

- Senhoras e senhores, o presidente do Brasil, meu chefe, meu patrão!

O prefeito de Paris, Bertrand Delanoe, emendou, emocionado:

- Paris, diga com paixão e convicção: Bienvenue (bem-vindo) Lula!

O presidente, embalado pelos aplausos, deixou de lado a voz pausada e rouca que marcara todos os seus discursos do dia e falou quatro minutos com a empolgação dos tempos de sindicalista. Começou dizendo que ia à França desde 1980, e que nunca imaginou que estaria ali, como presidente, em Paris, quando o Brasil está sendo homenageado. O show, patrocinado pelo grupo Pão de Açúcar e o Casino francês (Gilberto Gil diz que abriu mão do cachê), faz parte do ano do Brasil na França, como é chamada a série de manifestações culturais programadas por lá.

Mas o grande aplauso a Lula foi quando ele falou da grandeza do Brasil:

- Quero dizer para vocês que o ser humano sempre será do jeito que quiser ser. Se a gente pensa pequeno, seremos pequenos. Se pensarmos grande, seremos grandes. O Brasil não pode ser visto no mundo como um país grande pela sua extensão territorial. Tem que ser um país grande pela qualidade de seu povo, pela solidariedade de seu povo e pelo humanismo praticado pelo povo brasileiro.

Depois, o presidente se despediu dizendo que sabia que todo mundo ali "estava doido" para ouvir o show de Gilberto Gil, e disse:

- Eu queria terminar com um viva à França. Um viva ao Brasil! - encerrou, abraçando seu ministro da Cultura, e chorando com ele.

A crise brasileira passou longe da Bastilha. E a lista de artistas garantia o sucesso: Gal Costa, Gilberto Gil, Jorge Benjor, Seu Jorge, Lenine, Ile Ayê. BenJor, uma das estrelas da noite, admitia que a situação no Brasil estava difícil, mas não desanimou:

- Sei que lá está difícil. Ouvi dizer que estavam dando uma grana mensal para todo mundo... Eu acho que o presidente tem que ver isso aí. Mas acho que ele não tem nada (a ver com isso). Ele foi ao G-8 (grupo dos sete países ricos do mundo, mais a Rússia). Ninguém vai convidado ao G-8 à toa. Alguma coisa boa ele fez. E eu votei nele.

Elba Ramalho, que fez campanha para o tucano José Serra, tinha comentado no palco que gostava do presidente, mas que não acreditava no PT. Vangloriou-se de ter feito a escolha por outro partido. Depois, em entrevista, defendeu Lula:

- Minha recepção ao Lula foi calorosa. Por uma simples razão: até segunda ordem, a integridade do Lula é imbatível. A gente não tem nada para provar contra ele. Tem que apoiar, dar apoio moral. (D.B.)