Título: Inflação do essencial
Autor: Luciana Rodrigues e Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 15/07/2005, Economia, p. 21

Brasileiro gasta bem mais com habitação, saúde e transportes que vizinhos do Mercosul

Os brasileiros gastam bem mais do que seus vizinhos do Mercosul ¿ Argentina, Uruguai e Paraguai ¿ e também do que os chilenos em itens indispensáveis, como habitação, saúde e transportes. Na primeira pesquisa que comparou o comportamento da inflação nesses cinco países, constatou-se que, à exceção dos alimentos, os demais produtos e serviços básicos têm um peso maior no orçamento dos brasileiros. Aluguel, água, eletricidade e gás comprometem 14,73% dos gastos dos brasileiros, contra apenas 11,15% dos chilenos. Somando-se a essas despesas com habitação outros itens essenciais, como transporte e saúde, chega-se a mais de 40% dos gastos dos brasileiros. Para os chilenos, esse patamar não chega a 30% e, entre os argentinos, é de 32,45%.

Os números constam do Índice de Preços ao Consumidor Harmonizado (IPCH), levantamento que, pela primeira vez, uniformizou a metodologia para cálculo da inflação nos quatro países do Mercosul e no Chile (que é membro associado do bloco). Realizado no Brasil pelo IBGE ¿ e nos demais países por seus respectivos institutos oficiais de estatística ¿ a pesquisa constatou que, entre 1999 e 2004, a inflação no Brasil subiu 60,22%, na segunda maior alta do Cone Sul. O cálculo, neste caso, considera o patamar médio da inflação em 1999 e sua variação até 2004.

Tarifas congeladas na Argentina

E as tarifas públicas tiveram um papel importante nesta alta: a energia elétrica subiu 112% no Brasil desde 2000 e as comunicações, 79%. Em contrapartida, na Argentina, devido ao polêmico congelamento de tarifas aplicado pelo governo após a crise cambial e a moratória, o preço de energia subiu só 1,5% e o de comunicações, 8,6%. Isso explica, em parte, por que no Brasil as tarifas têm um peso tão maior para as famílias.

O professor da PUC-Rio Luiz Roberto Cunha, especialista em inflação, esclarece que a participação de cada item nos gastos das famílias deve-se não apenas a diferenças nos preços (ao fato de as tarifas aqui serem mais caras, por exemplo), como também ao perfil de renda e aos hábitos de consumo. Era de se esperar, diz Cunha, que países com renda mais elevada e maior nível de educação, como Chile e Argentina, gastassem mais com recreação e cultura. Este grupo tem peso de 7,28% no Chile, contra 5,41% no Brasil.

Os argentinos gastam 8,13% de seu orçamento com restaurantes e hotéis, enquanto no Brasil essa despesa responde por 6,30% do orçamento. O economista argentino Manuel Calderón, da empresa de consultoria Abeceb.com, lembra que, apesar da gravíssima crise econômica iniciada em meados de 1998 e que alcançou seu auge em 2002, após a desvalorização do peso, a renda per capita dos argentinos continua sendo mais alta do que a brasileira. Segundo dados divulgados pelo Banco Mundial anteontem, a renda média na Argentina é de US$3.720 e no Brasil, de US$3.090.

¿ Durante a vigência da paridade cambial, a renda média dos argentinos alcançava US$8 mil por ano. Hoje o valor é exatamente a metade, mas continua alto na comparação com outros países da região ¿ afirma Calderón.

UFRJ: transporte caro pesa na economia

Chama atenção que, mesmo com uma renda per capita menor, o brasileiro gasta relativamente pouco com alimentos (17,68%, contra 24,34% no Uruguai ou 25,24% na Argentina), item que costuma pesar no bolso dos mais pobres.

¿ Os alimentos são relativamente baratos no Brasil graças à nossa enorme competitividade agrícola. O país é um grande produtor e os alimentos têm ajudado a segurar a inflação ¿ diz Cunha, da PUC-Rio.

Por outro lado, no grupo transportes está a maior diferença entre os gastos desses países. E, neste caso, o brasileiro sai perdendo: compromete 20,49% de seu orçamento com transporte, contra 14,06% na Argentina e 13,31% no Chile. Para Rômulo Orrico, professor de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, isso mostra que é preciso discutir a eficiência do sistema brasileiro.

¿ Tudo o que se produz numa cidade tem um custo de transporte. Isso interfere diretamente na eficiência da economia.

Orrico ressalta, porém, que o Brasil tem muitas grandes cidades, nas quais as distâncias média de transporte podem pressionar as tarifas.

Mesmo recebendo vale-transporte e mais uma ajuda de custo do empregador, a vendedora de publicidade Raquel Ferreira Teixeira gasta cerca de R$150 por mês com passagens de ônibus e de metrô, na visita aos clientes, uma despesa que consome 12% de sua renda:

¿ Sem o subsídio, iria gastar uma fortuna por mês. Moro em Maricá e o custo é de R$300 mensais, cobertos pelo vale-transporte.

COLABOROU Cássia Almeida

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CÂMBIO E TARIFAS FORAM OS VILÕES DA INFLAÇÃO, na página 22