Título: A QUEDA DA BASTILHA PELO BRASIL
Autor: GABRIELA GOULART
Fonte: O Globo, 15/07/2005, Segundo Caderno, p. 1

Gilberto Gil comanda em Paris show de artistas brasileiros para platéia animada

Tinha bandeira como se conhece a bandeira, bandeira como se reconhece um turista que visitou o Brasil (aquela canga de praia verde-e-amarela vendida no calçadão da orla carioca), camisa da seleção de futebol e até Havaianas ¿ maior símbolo atual de brasilidade no exterior ¿ ¿hasteadas¿ nas mãos da platéia, algo entre 80 mil e 120 mil pessoas. Não fosse o monumento central da Praça da Bastilha, em Paris, seria quase impossível localizar no símbolo geográfico da Revolução Francesa o show que reuniu por lá Gilberto Gil, Lenine, Seu Jorge, Jorge Ben Jor, Jorge Mautner, Gal Costa, Daniela Mercury, o grupo Ilê Aiyê e o francês Henry Salvador, na noite de quarta-feira. Acompanhados por 40 músicos que se revezaram no palco, eles apresentaram 45 músicas (sozinhos, em duplas, trios e todos juntos) durante quatro horas e meia. O ministro da Cultura, espécie de guia turístico da turma, interpretou 21 delas.

O repertório lançou mão de sucessos infalíveis e históricos para francês ver e brasileiro-residente lembrar: ¿Aquarela do Brasil¿, ¿Banda do Zé Pretinho¿, ¿Aquele abraço¿, ¿Garota de Ipanema¿, ¿Toda menina baiana¿ e por aí vai. O que levantou: a música pra pular brasileira de Ben Jor, Gil, Daniela e Ilê Aiyê. O que arrepiou: os hinos de Brasil e França cantados em coro no encerramento, meia-noite e tanta, antes de o público sair em cortejo pelas ruas fechadas ao trânsito rumo às estações de metrô mais próximas ¿ num clima meio fim de réveillon em Copacabana, meio encerramento do carnaval na Bahia. Mais Brasil impossível?

Ben Jor chegou atrasado para a ¿Aquarela do Brasil¿

Era possível, sim. Dois assuntos deram o que falar na área VIP e nas proximidades dos camarins: a crise no governo petista e as acusações de sonegação fiscal contra os proprietários da Daslu. Não poderia ser diferente. O show bancado pelos grupos Pão de Açúcar e Casino ¿ o primeiro desembolsou 240 mil euros e o segundo, 360 mil, sem usar leis de incentivo fiscal, segundo os organizadores ¿ contava com a expectativa em torno das presenças do presidente Lula e de Donata Meirelles, diretora da Daslu e mulher do publicitário Nizan Guanaes, cuja agência África tem o Pão de Açúcar entre seus clientes. Lula foi. Donata deu um jeitinho de não aparecer.

Jeitinho (brasileiro), aliás, não faltou no show ¿Viva Brasil¿. No palco, Lenine trocou rapidinho a guitarra que deu problema no início da apresentação; Jorge Mautner recomeçou duas vezes a introdução ao violino para ¿La Seine¿; Ben Jor chegou atrasado, depois que todos já cantavam ¿Aquarela do Brasil¿. Nada, no entanto, que comprometesse a qualidade do som. Nos bastidores, mais jeitinho. A produção, por exemplo, teve que arrumar muita água de coco, principal exigência de Gal. Na área destinada aos VIPs (o jogador Raí, as cantoras Bebel Gilberto, Sandra de Sá e Elba Ramalho, o músico Ivo Meireles, a VJ da MTV Sara e só), mais jeitinho ainda. Pequeno para a quantidade de convidados da prefeitura parisiense, da embaixada brasileira e das redes de supermercados (que não eram muitos, por sinal), o curralzinho em frente ao palco funcionou em esquema de revezamento: entra um pouquinho de gente, sai um pouquinho de gente. Nada, no entanto, que comprometesse o acesso aos locais nobres ¿ duas tendas com comidas, bebidas e TVs transmitindo imagens do palco.

E a animação, que veio gloriosa no fim do espetáculo, com a Bastilha tomada por franceses e brasileiros eufóricos, parecia que não ia dar o ar de sua graça quando, por volta das 20h15m, Henry Salvador abriu o show depois da projeção de imagens do Brasil e da França (do Museu do Louvre ao Pelourinho) em dois telões.

¿ Hoje esse local vai ser palco de uma revolução musical ¿ disse ele, enquanto o trânsito ainda fluía livre nos arredores.

Lenine, autor do hino do Ano do Brasil na França (chancela que motivou o show), cantou ainda com dia claro e público chocho. Seu Jorge, terceiro artista a subir ao palco, 50 mil cópias do CD ¿Cru¿ vendidas na Europa, foi recebido ao gritos de ¿lindo¿.

¿ Sou praticamente um residente. Tomo cerveja no La Republique, aprendi francês na rua, dou autógrafos... ¿ justificou o queridinho da imprensa internacional.

Em popularidade, só perdia para o ministro Gil, que deu inúmeras entrevistas falando da ¿importância da cultura mestiça no mundo na contemporaneidade¿ ¿ tudo em francês, claro.

Daniela Mercury, ao contrário dos incansáveis ¿merci beaucoup¿ dos colegas, foi de português mesmo.

¿ Essa música fala do amor de Julieta e Romeu, assim como é o amor do Brasil pela França ¿ arriscou, tentando um paralelo com o evento ao anunciar o hit ¿Rapunzel¿.

Espetáculo será exibido pela TV brasileira e comercializado em DVD

Segundo Sérgio Ajzenberg, diretor geral do espetáculo, a idéia era fazer um show popular, com artistas já consagrados na Europa (¿como Gil, Ben Jor, Daniela e Gal¿) e outros que estão começando a se projetar agora (¿como Lenine e Seu Jorge¿).

Para Rémy Kopal Kopoul, jornalista francês especializado em música brasileira que tem um programa de sucesso na Rádio Nova, a escalação funcionou muito bem.

¿ Gil é muito conhecido por aqui. Além de ser ministro, tem um trabalho musical com regularidade.

Mas, segundo ele, é Marisa Monte quem levanta a ¿brasileirada¿ de Paris. Na Bastilha, todo mundo levantou, mesmo sem ela. Ver para crer? ¿Viva Brasil¿ terá um compacto de uma hora exibido pela TV Record no dia 22 e será lançado em DVD dirigido por Andrucha Waddington.

GABRIELA GOULART viajou a convite do Grupo Pão de Açúcar