Título: IMPUNIDADE E TECNOLOGIA
Autor: Saturnino Braga
Fonte: O Globo, 15/07/2005, Opinião, p. 7

Ainformação de que entre julho de 2003 e maio de 2005 as empresas SMP&B e DNA sacaram R$20,9 milhões em espécie, no Banco Rural, sem que isso despertasse suspeita é, no mínimo, surpreendente. Segundo o Banco Rural, os saques foram informados diariamente ao Banco Central, como manda a lei. E cabe ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), para onde essas informações são repassadas, analisar se elas estão dentro do padrão.

O Coaf foi criado em março de 1998 para detectar movimentações financeiras suspeitas. Movimentação em espécie acima do limite de R$100 mil deve, obrigatoriamente, ser investigada. Mais ainda se for freqüente, como se sabe agora. Cabe ao Coaf, nesses casos, identificar a origem e o destino final do dinheiro. Essa é a melhor forma de investigar a lavanderia que parece ter sido instalada no país.

Segundo os jornais, a SMP&B e a DNA sacaram mais de R$50 milhões em espécie, nos últimos anos, inclusive no Banco do Brasil. Foram dezenas de operações acima de R$100 mil, em dinheiro vivo. E ninguém desconfiou de nada?

É de se perguntar que tipo de controle faz o Coaf, para que essa montanha de dinheiro tenha passado batida pelos seus computadores sem despertar qualquer suspeita. Ainda mais sendo subordinado a um ministério tão eficiente na hora de cobrar e botar milhões de contribuintes na malha fina, às vezes por erros de centavos. Qualquer sistema de acompanhamento automático, como os que existem num simples call center bem equipado, alertariam para essa freqüência de operações estranhas.

A corrupção é um mal endêmico, que inventa mecanismos criativos para sobreviver. Acabar com ela num aparelho de estado tão hipertrofiado e complexo quanto o brasileiro é praticamente impossível. Seu combate é um trabalho hercúleo. Mas se não forem criados mecanismos sofisticados de controle, assumirá proporções oceânicas.

Por mais inquietante que essa lavagem nacional de roupa suja possa parecer aos cidadãos de bem, tudo indica que ela é apenas a ponta de um enorme iceberg à frente de um Titanic cheio de dinheiro. Para além do mensalão, o noticiário aponta para outras áreas sensíveis ao dinheiro público, como as contratações e a sonegação de tributos.

Embora a lei 8.666 tenha criado obstáculos e estabelecido normas que dificultam a malversação do dinheiro público, as contratações governamentais continuam cercadas de suspeitas de superfaturamento, de mercadorias que não são entregues, de contratos fictícios. A dispensa de exigências para burlar concorrências, o uso de fundações ligadas a universidades para intermediar contratações de empresas privadas previamente escolhidas, obras pagas e não realizadas, tudo isso precisa ser investigado. Não basta publicar editais e resultados de concorrências. É preciso cruzar informações, comparar preços e qualidade de serviços executados.

O melhor antídoto contra a corrupção é a transparência. Essa é a grande virtude da democracia. Mas para garantir transparência é preciso que se criem mecanismos eficazes de controle. E nessa área, temos muito a aprender com o sistema financeiro. As instituições financeiras, porque têm de prestar contas aos clientes, usam ferramentas de análise que lhes permitem prevenir fraudes de forma cada vez mais sofisticada.

A Tecnologia da Informação oferece, hoje, ferramentas de cruzamento de dados e análise automática que apontam operações suspeitas com extrema rapidez. O Ministério Público, o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da União e outros órgãos de controle precisam ser apresentados à modernidade. Já é tempo de a máquina pública adotar mecanismos de TI que o mundo inteiro já conhece. O uso de algoritmos, de programas de análise de textos, de simulações e outros recursos modernos faria mais por essa cruzada cívica que mil pacotes anticorrupção.

BENITO PARET é presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Rio de Janeiro.