Título: O perigo da generalização
Autor: Saturnino Braga
Fonte: O Globo, 15/07/2005, Opinião, p. 7

Vivemos num mundo de estratégias. E, em seu depoimento na CPI dos Correios, o deputado Roberto Jefferson deixou evidente qual é a sua: ao jogar lama e ameaças para todos os lados, pretende generalizar a culpa e provar que todos são iguais. Mas isso não vai acontecer. As responsabilidades são individuais e, desta forma, serão apuradas. De Jefferson a qualquer outro que tenha cometido atos ilícitos, independentemente de filiação partidária. A CPI não se transformará numa crise institucional e não será palco de generalizações que confundam a opinião pública.

O que se reprova, em defesa da cidadania, é a inconsciência política dos que desrespeitam a sociedade num momento em que está em jogo o destino nacional. Semeia-se a impressão de um desastre iminente, quando se trata de uma oportunidade para corrigir erros e consolidar a democracia. É preciso ficar claro que a democracia não é responsável por faltas éticas que dizem respeito à natureza humana, que foge à sua competência.

Ao usar o argumento do custo de campanha para justificar a falta de ética e eventuais crimes de parlamentares e autoridades do Executivo, Jefferson fez uma operação inaceitável, tentando arrastar toda uma instituição para a lama. Alto lá! Temos no Congresso um grande número de parlamentares sérios, éticos e que conquistaram seus mandatos graças a trajetórias limpas e de serviços prestados à Nação. Não podemos aceitar que uma performance teatral e sem conteúdo coloque essas reputações em risco.

Por isso, a sociedade brasileira não deve permitir que a sujeira que está sendo lavada pela CPI sirva, através da generalização, de argumento contra a continuidade e o fortalecimento de nosso jovem regime democrático. Não há definitivamente relação de causa e efeito entre os fatos em apuração e a democracia.

Até porque, apesar de algumas análises apressadas, temos, sim, muito do que nos orgulhar de nossos 20 anos de democracia. Nesse período, consolidamos as instituições, aprovamos reformas estratégicas, aumentamos o grau de responsabilidade exigido de nossos governantes, garantimos a liberdade de imprensa e o poder de fiscalização de órgãos como o Ministério Público etc.

A opinião pública é sábia e já aprendeu a resistir ao maniqueísmo, desconfiada do perigo de radicalizações. Sabe que a política não é responsável pelos desvios de conduta moral dos políticos. Na democracia, cada um responde por seus atos. Não queiram, suspeitos e acusados, fugir às conseqüências dos seus atos e legar à nação o peso de suas faltas.

Ao buscar a generalização e o turvamento do clima político nacional, esses acusados apostam no caos. Mas não terão sucesso. Os três poderes da República têm quadros do mais alto nível ético e que devem continuar merecendo o respeito e a confiança da sociedade.

A generalização é perigosa porque parte de um princípio antidemocrático e cria o risco de afastar as pessoas da política. Precisamos do inverso: de que essa crise aumente a atenção das pessoas e de que o voto seja, cada vez mais, visto como um instrumento de transformação e de fortalecimento da ética no governo.

Num cenário conturbado, muitas vezes as vozes responsáveis acabam não conseguindo se sobressair. Mas elas jamais se calarão. Precisamos combater imediatamente essa perigosa generalização. Vamos separar o joio do trigo no Congresso. A CPI deve ser um instrumento de depuração do Parlamento e de avanço da democracia.

SATURNINO BRAGA é senador (PT-RJ).