Título: UM MARCO NA CURA DE ENFERMIDADES TROPICAIS
Autor: Leonardo Valente
Fonte: O Globo, 15/07/2005, O Mundo/Ciencia e Vida, p. 27

Genomas de mal de Chagas, leishmaniose e doença do sono abrem caminho para novas drogas

Um passo importante para a futura cura de três doenças que assolam os países pobres e em desenvolvimento será divulgado hoje na revista "Science". Um grupo de pesquisadores de diversos países, inclusive o Brasil, conseguiu seqüenciar o genoma dos parasitas do mal de Chagas, da leishmaniose e da doença do sono. Juntas, essas doenças matam cerca de 150 mil pessoas em todo o mundo. O trabalho abre caminho para a descoberta de novos medicamentos e vacinas.

Os três parasitas seqüenciados são da família Tripanosomatidae, que parasitam o homem e outros animais, e geralmente são transmitidos por insetos como o barbeiro, vetor da doença de Chagas.

- Essas doenças afetam muitos países pobres e em desenvolvimento, o que aumenta a relevância desse estudo. A pesquisa surgiu a partir de um workshop promovido em 1994 na Fiocruz quando foi definido quais parasitas seriam estudados - disse o coordenador científico do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz, Carlos Morel

Pesquisa vai facilitar descoberta de vacinas

O fato de serem da mesma família facilitou o trabalho de comparação dos três genomas. Os pesquisadores encontraram 6.200 genes comuns aos três organismos. Isso, em teoria, faz com que algumas proteínas codificadas nesses genes possam servir de alvo para remédios ou vacinas eficientes ao mesmo tempo para as três doenças. As drogas existentes para o tratamento dessas doenças são tóxicas, pouco eficazes e muito caras.

- Graças a esses estudos os cientistas encontram-se agora muito mais próximos de poder desenvolver drogas eficientes contra essas doenças - afirmou o pesquisador do Instituto para Pesquisa Genômica, Najib M. El-Sayed, um dos autores dos trabalhos.

O estudo ganhou espaço de destaque na "Science". A revista publicou três artigos de pesquisa, cada um dedicado a um dos parasitas, um artigo de pesquisa comparativa, dois relatórios de pesquisa relacionados, um artigo da seção "Viewpoint" e um editorial.

A doença do sono, provocada pelo Trypanossoma brucei, é transmitida pela mosca tsé-tsé e é muito comum na África. Provoca febre, dor de cabeça e nas articulações. Nos casos mais avançados, provoca distúrbios do sono e problemas neurológicos. A doença de Chagas é causada pelo Trypanossoma cruzi, transmitido pelo barbeiro. Provoca problemas cardíacos e pode levar à morte. Já a leishmaniose é provocada por parasitas do gênero Leishmania e transmitida por mosquitos. Entre os sintomas estão febre, perda de peso e hipertrofia do baço.

CORPO A CORPO

CARLOS MOREL

'Três grandes problemas'

Segundo o coordenador científico da Fiocruz, Carlos Morel, o trabalho de comparação dos genomas dos três parasitas pode viabilizar industrialmente a produção de uma vacina.

Por que os pesquisadores escolheram esses três parasitas para o seqüenciamento?

CARLOS MOREL: As três doenças provocadas por eles são três grandes problemas de saúde pública em países pobres e em desenvolvimento, inclusive o Brasil. Por não serem doenças dos países desenvolvidos, seus estudos são relegados pelos centros de pesquisa desses países a um segundo plano. Além disso, são parasitas da mesma família biológica, o que facilita a comparação entre os genomas. A busca de semelhanças no seqüenciamento pode facilitar a produção de um única vacina para as três doenças.

Qual seria a vantagem da produção de uma só vacina para as três doenças?

MOREL: A viabilidade industrial do medicamento é a principal vantagem de uma vacina que sirva para as três doenças. Quando falamos em medicamentos para países pobres e em desenvolvimento, pensamos logo na necessidade de fazermos drogas mais baratas, o que é correto, mas muita gente se esquece da viabilidade industrial, que é muito importante. Sem o interesse da indústria pela comercialização, não podemos produzir em larga escala. Uma vacina capaz de agir contra as três doenças tem mais chances de se tornar viável para os laboratórios e também mais chances de ter preços mais adequados para as populações desses países.

O senhor acredita que os países pobres, os mais interessados na descoberta de curas para essas doenças, têm condições de, a partir desses genomas, investir em pesquisas para buscar novos medicamentos?

MOREL: Acredito que muitos centros de pesquisas de países em desenvolvimento têm condições de investir nesse tipo de pesquisa. Na América Latina, por exemplo, Brasil, México e Argentina estão habilitados para fazerem esse tipo de trabalho. (L.V.)

Legenda da foto: MOSQUITO DO gênero dos flebotomíneos, vetores da leishmaniose