Título: Delúbio usava Valério como testa-de-ferro
Autor:
Fonte: O Globo, 16/07/2005, O País, p. 3

Empresário confessa que fez empréstimos e também pagamentos em nome do PT

Trinta e nove dias depois das denúncias da existência do pagamento de mesadas a deputados pelo PT, o homem acusado de ser o operador do mensalão confessou ontem que armou um esquema milionário de financiamento para o partido que está no governo. Em entrevista ao "Jornal Nacional", o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza apresentou nova versão sobre os saques de R$21 milhões em dinheiro vivo e disse que cumpria ordens do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Também avalista de empréstimos de R$5,4 milhões tomados pelo PT no BMG e no Banco Rural, Valério disse que fez "vários, vários" empréstimos em nome de suas empresas para o PT e que este dinheiro foi repassado a pessoas e empresas indicadas por Delúbio para os saques milionários.

Desde que o escândalo do mensalão veio à tona, Valério já dissera que o dinheiro dos saques eram para comprar gado e depois, na CPI dos Correios, para pagar a fornecedores e fazer investimentos.

A confissão aconteceu um dia depois de Valério solicitar ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, o benefício da delação premiada (troca de informações por redução de pena) e proteção policial. Ontem Delúbio, que se encontrou com o empresário segunda-feira em Belo Horizonte, também esteve com o procurador e repetiu a nova versão apresentada por Valério.

Segundo Valério, os empréstimos foram feitos em 2003 e 2004 através das agências de publicidade DNA e SMP&B, ambas de sua propriedade, e justificam a movimentação bilionária nas contas de suas empresas nos últimos cinco anos (R$1,6 bilhão, segundo relatório do Coaf):

- Isso é facilmente comprovado pelo Banco Central, é só quebrar o sigilo. No decorrer de 2003 e 2004 essas empresas tomaram vários empréstimos bancários e repassaram ao Partido dos Trabalhadores - disse Valério.

Dívida chegaria a R$40 milhões

Segundo o advogado de Delúbio, Arnaldo Malheiros, a dívida do PT com o empresário seria de R$35 milhões a R$45 milhões.

O publicitário, dono de contratos milionários com estatais, não explicou por que serviu de testa-de-ferro e disse que apenas atendeu a um pedido de Delúbio:

- O Partido dos Trabalhadores estava com muitas dificuldades financeiras de honrar os compromissos. Esses saques foram a pedido do tesoureiro, sempre indicando as pessoas que iriam sacar ou as empresas para onde seriam transferidos os recursos. Foi o doutor Delúbio Soares que me pediu.

Em seguida, Valério disse que só fez o empréstimo por confiança a Delúbio.

- Eu te diria que não foi ao partido, mas à pessoa que me pediu. Essa pessoa nunca nos beneficiou em nada.

Durante a entrevista, Valério, tenso, se recusou a responder a perguntas sobre as pessoas que sacaram dinheiro no Banco Rural. O publicitário alegou que a Procuradoria da República exigiu que ele respeitasse o sigilo fiscal. Mas disse que os empréstimos não estão relacionados ao pagamento a deputados:

- Eu prometi a ele (ao procurador-geral) sigilo absoluto. Mas posso adiantar uma coisa: nunca foi relacionado a nenhum mensalão. Eram dívidas que vinham do passado e preparação para a campanha eleitoral de 2004.

Valério disse que omitiu as operações no depoimento à CPI porque não é mais avalista:

- Na verdade eu fui avalista inicial, depois não continuei. Também esperei um tempo para falar, porque as pessoas que me pediram é que tinham que falar. Quando vi que as coisas estavam tomando uma proporção completamente equivocadas, eu tive que confessar.

Afirmou ainda que o montante foi repassado ao PT e que não fez empréstimos a outros partidos. E negou que o dinheiro circule em malas:

- Nunca houve malas e nem saques. Tudo era feito dentro das agências bancárias. Os saques em dinheiro eram para as pessoas que iam lá pegar o dinheiro

Valério afirmou ainda que vai negociar com a nova direção do PT o pagamento dos empréstimos. E encerrou a entrevista quando perguntado de recente encontro com Delúbio

Para deputados, houve acerto

Para integrantes da CPI, ficou claro que a entrevista de Valério foi dada para unificar uma nova versão para o caso. Isso porque o depoimento de Delúbio na Procuradoria Geral da República seguiu a mesma linha. Para o deputado ACM Neto (PFL-BA), está claro que houve um acerto entre Valério e Delúbio.

- Foi uma versão combinada. Dizer que esse dinheiro era para pagar dívida de campanha e do partido foi o único argumento que restou, mas que vai cair por terra quando chegar à CPI as listas das pessoas que sacaram os recursos das contas. Pelo jeito, não restou outra alternativa e eles tiveram que justificar o dinheiro do PT de forma patética - disse ACM Neto.

Segundo o pefelista, Delúbio e Valério devem ser chamados para uma acareação.

Na avaliação de um jurista ligado ao PT, que assistiu à entrevista de Valério, a versão mostra que eles estão buscando uma alternativa jurídica de restringir as transações bancária à esfera eleitoral. Esse jurista argumentou que os fatos narrados por Valério dificilmente poderiam ser classificados como crime, porque, em resumo, tratam apenas de omissão de receitas à Justiça Eleitoral. O jurista disse que essa é uma boa saída jurídica.

http://oglobo.globo.com/pais

A íntegra da nota de Marcos Valério

O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza torna público que:

1) Em atenção a pedidos do senhor Delúbio Soares, então secretário nacional de Finanças do Partido dos Trabalhadores, contraiu vários empréstimos bancários em nome das agências de publicidade SMP&B e DNA, no período de 2003 a 2005;

2) As referidas operações de crédito, bem como toda a movimentação financeira originária daquelas operações, obedeceram sempre às normas vigentes para o sistema financeiro nacional;

3) Os recursos originários dos financiamentos foram transferidos, sempre segundo a legislação que regula o sistema financeiro, para o Partido dos Trabalhadores, a título de empréstimos, e depositados na rede bancária para pessoas indicadas pelo então secretário de Finanças do PT, senhor Delúbio Soares.

4) Todos os pedidos de socorro financeiro feitos pelo senhor Delúbio Soares baseavam-se, de acordo com o próprio secretário do PT, na necessidade de saldar dívidas relacionadas a campanhas eleitorais.O empresário Marcos Valério reafirma que não tem conhecimento e, muito menos, qualquer envolvimento com a suposta prática do que tem sido denominado de "mensalão".

Legenda da foto: MARCOS VALÉRIO: "Os saques foram a pedido do tesoureiro, sempre indicando as pessoas que iriam sacar"