Título: 'Não foi arquitetada de dentro para fora. Vem de algum tempo uma falha no PT'
Autor: Tatiana Fasrah e Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 16/07/2005, O País, p. 9

BRASÍLIA. Um dos fundadores do PT, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, disse que o partido vem permitindo comportamentos não compatíveis com sua história: "Ao aceitarmos comportamentos inadequados demos razão para o que chamo de venalidade", disse.

Como o senhor vê a crise do partido neste momento?

OLÍVIO DUTRA. O momento é muito sério para o PT. O governo também não pode ignorar e não está ignorando a seriedade do momento. São faces distintas da crise. Mas ambos não foram atingidos na sua essência, no seu cerne. No PT, a crise é de maior gravidade, porque mexe com o patrimônio moral do partido e com o patrimônio da sua história. E eu não sou dos que acham que isso tudo foi arquitetado de fora para dentro. Vem de algum tempo uma falha no PT, que vem possibilitando que pelas frestas dessa "frouxura" na nossa guarda penetrem no partido ações e comportamentos não compatíveis com a nossa história, com a proposta transformadora da prática política.

O senhor acha que houve um inchaço do PT?

OLÍVIO: Que bom que o partido tivesse, como teve, problemas de crescimento! Lá no início do partido, era um grupo de movimentos sociais, de setores sindicais que lutavam contra a estrutura sindical, contra a ditadura, e organizações de base para ser um partido que incorporasse outras sociedades comprometidas com a luta democrática, com uma política sem o toma lá, dá cá. Tudo isso estava no surgimento do PT. Que bom que ele foi crescendo sem perder suas características, que têm que ser da natureza de qualquer partido. Depois, o PT começou a ganhar espaço de poder. Isso é da história de um partido. Mas aí, no meu entendimento, ele começou a abrir a guarda.

Como assim abrir a guarda?

OLÍVIO: Mandatos de parlamentares passaram a ser instâncias partidárias (...) Um gabinete tem um aumento enorme, que suplanta instâncias partidárias. O partido não acompanhou bem a institucionalidade. Nenhuma denúncia, por mais estapafúrdia que for, pode deixar se ser clareada. O PT tem que se extirpar de condutas que não têm a ver com sua história. Está certo o presidente Lula que dizia que tinha que cortar na própria carne. Isso está ocorrendo. Mas poderia ter reação mais rápida.

Mas o senhor acredita que o PT vai se recuperar da crise?

OLÍVIO: Claro. Debaixo do borralho, da cinza, tem o "brasedo". Tem muita brasa no borralho. As cinzas não apagam a chama do nosso partido.

O senhor foi muito criticado por ter afirmado que a crise era conseqüência das más companhias...

OLÍVIO: Aceitamos no partido comportamentos inadequados e aí demos razão ao que chamo de venalidade. Faltou precisar os termos de um relacionamento que garantisse a governabilidade. Mas tem que se lembrar que a corrupção neste país tem séculos. Claro que o nosso governo contraria o pensamento conservador e de direita. Nunca viram bem o crescimento de uma proposta como a do PT.

O senhor é favorável à manutenção da eleição do PT em setembro?

OLÍVIO: É muito oportuno, mas não pode ser um acerto de conta de correntes diferenciadas. Elas têm que ter o entendimento de que é um momento importante para fazer uma boa renovação na direção do partido, de baixo para cima.

O que acha do desempenho do governo, principalmente na economia?

OLÍVIO: O governo Lula tem avanços significativos, e na economia do país. Mas temos que debater. O partido cometeu um equívoco de não fazer o bom debate interno da política econômica do governo. Não elegemos maioria (no Congresso). Deveríamos ter trabalhado a maioria pontualmente.

O senhor não é mesmo candidato? Fica no ministério?

OLÍVIO: Não quero ser candidato ao governo do estado. Fui honrado com a convocação do presidente para coordenar este ministério. Mas o cargo é do presidente da República.

A cada reforma, falam na sua demissão e agora falaram na fusão do seu ministério com o da Integração Nacional, de Ciro Gomes.

OLÍVIO:Lido bem com isso. Outras pessoas aspirando a esse ministério é até um elogio. Mas não trabalho com boatos.

Legenda da foto: OLÍVIO: "TEM brasa no borralho. As cinzas não apagam a chama do nosso partido"