Título: Delúbio dá versão semelhante à de Valério
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 16/07/2005, O País, p. 8

PT pegou emprestado do publicitário um montante entre R$35 milhões e R$40 milhões, segundo o petista

BRASÍLIA. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares compareceu ontem espontaneamente à Procuradoria Geral da República onde prestou depoimento de duas horas ao procurador-geral Antônio Fernando Souza. No depoimento, as declarações de Delúbio teriam semelhanças com a versão apresentada pelo empresário Marcos Valério para o repasse de recursos ao PT.

Delúbio foi ao Ministério Público um dia depois de Valério ter prestado depoimento para o procurador-geral. Segundo o presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral, que esteve com o procurador, Delúbio foi justificar a relação e os negócios feitos com o publicitário.

-- O depoimento de Delúbio foi no mesmo enfoque do Marcos Valério. Também veio expor suas razões desses casos já conhecidos - disse Delcídio Amaral.

O PT pegou emprestado do publicitário Marcos Valério um montante entre R$35 milhões e R$40 milhões, segundo Delúbio Soares, por meio de seu advogado, Arnaldo Malheiros Filho. Malheiros também afirmou que pedirá um hábeas-corpus para Delúbio, que depõe na terça-feira, para os membros da CPI dos Correios.

- Vou pedir o hábeas-corpus de modo que tenhamos uma resposta até terça-feira, para evitar que a CPI tente cometer alguma ilegalidade.

Delúbio se reuniu com Valério

Delúbio havia se reunido com Marcos Valério no início da semana, em Belo Horizonte, com o objetivo de convencê-lo a não prestar depoimento na Procuradoria. O ex-tesoureiro foi acusado por Marcos Valério de tê-lo orientado nas operações de empréstimos milionários feitos ao PT. O publicitário era o avalista do negócio.

Ao procurador, Delúbio entregou uma cópia do depoimento que prestou à Polícia Federal. Ele estava acompanhado de seu advogado, Arnaldo Malheiros. Ao contrário de Valério, Delúbio não propôs a Antônio Fernando ser considerado um réu colaborador. Anteontem, Valério havia proposto ao procurador-geral que, em troca de redução de uma pena em eventual condenação, poderia ajudar na apuração das denúncias.

No depoimento que concedeu à Polícia Federal, no último dia 8, Delúbio admitiu que Marcos Valério era a ponte entre o PT e o empresariado e era o intermediário nessa relação. Ao delegado da PF responsável pelo inquérito, Luiz Fernando Zampronha, Delúbio contou ainda que Valério foi o intermediário de uma visita feita por ele e pelo ex-presidente do PT José Genoino à siderúrgica Usiminas.

Delúbio Soares contou ainda à PF que foi apresentado a Valério pelo deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), amigo de longa data do publicitário. O encontro entre os três ocorreu no comitê central do PT, no final de 2002, em São Paulo. Segundo o ex-tesoureiro, Valério queria atuar na área de marketing político, mas o PT já havia escolhido Duda Mendonça.

Na PF, Delúbio também contou que foi Marcos Valério quem intermediou os empréstimos feitos pelo PT no BMG e no Banco Rural. Nos dois financiamentos, Valério foi avalista. O primeiro no valor de R$2,4 milhões. O segundo, no Rural, de R$3 milhões.

Um dos candidatos à presidência do PT Raul Pont, da corrente Democracia Socialista (DS), disse que Marcos Valério deveria apontar a quem os empréstimos que fez foram destinados, assim como apresentar as provas necessárias.

Em tom de crítica, o petista gaúcho, que faz parte do diretório nacional, observou que o publicitário poderia ajudar mais se indicasse formas do PT cobrar Delúbio Soares.

- Ele (Marcos Valério) poderia ajudar indicando que recebeu. O Delúbio, nós já afastamos. Agora, a sindicância interna no partido vai apurar o que de fato aconteceu, vai mostrar um balanço. E vamos tomar medidas mais drásticas em relação às pessoas envolvidas - disse Pont.

Na PF, o ex-tesoureiro contou ainda que foi Valério quem promoveu uma reunião sua com o empresário Carlos Rotenburgo, do grupo Opportunity. No encontro, Rotenburgo teria solicitado uma aproximação com o PT para melhorar a imagem do grupo Opportunity. Segundo Delúbio, era comum nos encontros entre ele e Valério estarem presentes outras pessoas.

No depoimento, Delúbio Soares negou conhecer o petista José Adalberto Vieira da Silva - preso com R$200 mil numa maleta e US$100 mil na cueca, em São Paulo - e disse ser infundada a denúncia feita pelo motorista da deputada Neide Aparecida (PT-GO) de que teria transportado US$200 mil de carro do PT paulista para ajudar nas campanhas em Goiás. Segundo Delúbio, em 2004, o PT teve um déficit de R$20 milhões.

Delúbio circulava pelos gabinetes do Planalto

Ex-tesoureiro se envolveu em escândalos

Sem cargo no governo ou agenda a cumprir na África, o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, integrou a comitiva oficial do Brasil, que cumpriu sete dias de viagem no exterior em 2003, a convite do presidente Lula. Na Namíbia, chegou a se sentar à mesa da delegação oficial brasileira na reunião bilateral com o governo local. "Qual o problema? Não sou ladrão! Represento uma entidade, o PT. O presidente convidou também a CUT e o movimento negro", alegou Delúbio.

O problema era justamente a desenvoltura com que o tesoureiro do partido circulava pelos gabinetes oficiais do governo. Professor de matemática que virou tesoureiro do PT, Delúbio Soares, de 49 anos, virou o homem-forte do ex-chefe da Casa Civil e ex-presidente do partido José Dirceu, mas também era muito ligado a Lula no começo do partido, já que os dois saíram do sindicalismo.

Do trabalho à frente da tesouraria da Central Única dos Trabalhadores (CUT), passou pelo Conselho do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) até ganhar a chave do cofre do partido que ajudou a fundar em 1980 e que, em 2004, arrecadou R$48,1 milhões junto a filiados e empresários.

Desde a eleição de Lula, o tesoureiro tinha trânsito livre na administração federal. Além de integrar a comitiva oficial à África, esteve envolvido em diversas polêmicas. Em fevereiro de 2004, a revista "Época" revelou que Delúbio se encontrara no Planalto com o vice-presidente da Associação Nacional de Empreiteiras de Obras Rodoviárias, Tito Roquete Neto. A reunião acontecera no ano anterior, na ante-sala do então ministro José Dirceu.

O nome do tesoureiro do PT também foi envolvido no escândalo da Máfia dos Vampiros, ano passado. Ele confirmou que o lobista Laerte de Arruda Corrêa Júnior, um dos investigados pela Operação Vampiro, ajudara a arrecadar dinheiro junto a laboratórios para doações à campanha do então candidato presidencial Lula.

Filho de pecuaristas semi-analfabetos, começou na política no fim dos anos 70. Na época, assumiu a presidência da CUT em Goiás. Em agosto de 2004, O GLOBO revelou que as terras da família do petista tinham dobrado de tamanho desde 2003.

Desde que foi acusado de ser um dos operadores do esquema do mensalão juntamente com o publicitário Marcos Valério, Delúbio acusou setores da oposição e da imprensa de tentar desestabilizar o governo Lula. Chegou a chorar e acusou "a direita" de estar por trás de um suposto movimento para atingir Lula. Perdeu o cargo depois da revelação de que usara Valério como avalista de dois empréstimos, no total de R$5,4 milhões, para o PT.

Legenda da foto: DELÚBIO: petista foi à Procuradoria um dia depois de Valério ter prestado depoimento a procurador-geral