Título: PT E O FUTURO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 16/07/2005, O País, p. 4

Qual o futuro do Partido dos Trabalhadores, 25 anos depois de fundado, diante da maior crise política de sua existência e uma das maiores já vividas pelo país em tempos democráticos? Cientistas políticos, sociólogos e estudiosos em geral convergem para a necessidade de uma autocrítica radical do partido como maneira de superar a crise, e o real compromisso de elucidação completa das denúncias, para que o partido possa recuperar sua credibilidade diante do eleitorado.

Não há quem considere o PT um partido em extinção, mesmo que Lula não termine seu governo, ou que, terminando, seja derrotado na reeleição.

Mas todos consideram que a simples mudança de dirigentes partidários não é suficiente para recuperar a imagem do partido, embora seja um bom começo, com a substituição do núcleo paulista por uma direção mais descentralizada regionalmente. Uma opinião é geral: o grande culpado pela derrocada petista é o ex-ministro e hoje deputado federal José Dirceu, que quis criar um atalho para a governabilidade com métodos que feriram a ética, principal bandeira petista, e com partidos que sempre foram os antípodas do PT.

Nenhum deles admite a possibilidade de o presidente Lula estar diretamente envolvido nos episódios de corrupção, embora esteja claro que os métodos usados por Dirceu e seu grupo dentro do PT - José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira - faziam parte de uma estratégia do Campo Majoritário do PT, grupo tradicionalmente ligado a Lula, para garantir a permanência no poder.

O professor David Samuels, da Universidade de Minnesota, realizou um estudo após as eleições de 2002 - a partir de uma ampla pesquisa do ESEB-Estudo Eleitoral Brasileiro - para identificar as bases do petismo. A questão mais importante para o PT no momento seria se a percepção dos eleitores petistas é de que falta ética ao partido, ou se consideram que alguns petistas poderosos tomaram decisões políticas que ferem princípios éticos importantes.

Samuels acha que a grande maioria vai na segunda opção. "O partido expulsa os culpados, faz uma 'autocrítica' bem ao estilo de partido de esquerda, e depois o partido e o governo (e a mídia) vão voltar a prestar atenção a assuntos mais importantes como a economia, crime, educação. O PT sobrevive a essa crise", analisa pragmaticamente o professor.

Ele lembra que "em qualquer país do mundo, líderes políticos tomam decisões desastrosas e mergulham num mar de lama. Mas o partido deles sobrevive". Dá como exemplo o Partido Republicano do seu país, que "não somente sobreviveu ao caso Watergate (provavelmente a crise constitucional mais grave na História do país), mas, menos de dez anos depois, ganhou a Presidência de novo, e agora controla o Executivo e o Legislativo".

O cientista político Leonardo Avritzer, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, acha que as mudanças no PT melhoram a situação "mas podem não ser profundas o suficiente". Para ele, "a composição do governo Lula rompeu com o peso regional dos diferentes grupos na Articulação e concentrou o poder no chamado grupo paulista (Dirceu e Gushiken-Palocci), no centro dos escândalos agora revelados".

As substituições feitas tanto pelo governo quanto pelo PT, reforçam a presença do PT do Rio Grande do Sul com Dilma Rousseff na Casa Civil e Tarso Genro na presidência do PT. Apenas um bom começo, diz Avritzer, para quem "é preciso romper com a idéia de maiorias automáticas na executiva do partido e representar na direção um espectro de forças mais amplas".

Hamilton Garcia, sociólogo da Universidade Estadual do Norte Fluminense, acha que as mudanças na direção do PT podem ser um começo de solução para o partido, "não só pelo peso dos nomes vindos diretamente dos ministérios, mas pelo relativo deslocamento do eixo partidário para o Sul. Os gaúchos, durões e idealistas, aprenderam importantes lições no longo processo de administração da capital e no mandato do Executivo estadual".

Com estas vivências, segundo Garcia, seus principais expoentes se tornaram "políticos realistas". Em contraste, os paulistas "tiveram uma experiência curta com Marta Suplicy antes da eleição de Lula, e evoluíram pragmaticamente, com práticas 'aparelhistas' que estão vindo à tona".

Na sua análise, a fórmula de Dirceu "mostrou-se frágil no governo, mas funcionou por longos anos internamente". Ela consistia, segundo ele, numa retórica de ruptura, para dentro, que neutralizava a "esquerda", e num pragmatismo, para fora, que ocupava com voracidade espaços institucionais. "No governo não funcionou, porque a complexidade dos desafios nacionais demandava resultados, que exigem definições que, por sua vez, pressupõem realismo, consistência, diálogo".

Na definição de Garcia, o novo presidente do PT, Tarso Genro "é um realista consistente, e não um pragmático conspirativo ou beletrista, perfil que facilitará a dissipação das penumbras aparelhistas residuais do PT e aumentará o protagonismo partidário na configuração programática do governo". Para ele, "o partido tende a se postar mais clara e altivamente diante de Lula e seus ministros, o que pode ajudar o governo a apurar suas políticas".

Paulo Roberto Figueira, cientista político do Iuperj, não crê que as medidas tomadas até agora sejam suficientes. "Apenas mudar dirigentes não implica mexer nos problemas estruturais que propiciaram algumas das condições para a atual crise".

Ele cita a excessiva concentração de poder nas mãos de poucos dirigentes partidários, como um processo que se intensificou nos últimos anos. Lembra que mesmo agora, na hora das mudanças, "as correntes mais à esquerda foram apenas comunicadas sobre os novos nomes da executiva, e não participantes da decisão". (Continua amanhã)