Título: Operação Valério
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/07/2005, O Globo, p. 2

Em que bancos Marcos Valério tomou os grandes empréstimos de que falou, em nota e ao ¿Jornal Nacional¿ na sexta-feira, em nome de suas empresas, para socorrer o PT a pedido de Delúbio Soares? Sua história lembrou muito a Operação Uruguai, farsa montada pelos assessores de Collor para justificar depósitos e pagamentos de suas despesas por PC Farias e seus fantasmas.

Foi o primeiro passo. Já tendo revelado que repassou recursos a pessoas indicadas por Delúbio, elas serão conhecidas, mais dias, menos dias, pela boca de Valério ou pelos relatórios de seu sigilo bancário. Ficará faltando confirmar a tomada dos empréstimos, história que, como na Operação Uruguai, parece destinada também a proteger doadores ou superfaturadores de contrato. A estes é que as CPIs nunca chegam. Elas acabam, com algumas cassações, quando são revelados os beneficiados. Depois da CPI do PC, o senador Pedro Simon ficou rouco de discursar em defesa de uma CPI dos corruptores ou doadores para o caixa eleitoral de PC Farias, cuja sobra acabou financiando mordomias do casal presidencial. Dificilmente deixaram pistas óbvias, como a de meros depósitos nas contas das agências DNA e SMP&B.

No meio publicitário é voz corrente que estas agências ¿ e mais outras três que ainda não apareceram ¿ passaram a funcionar como a nova cortina usada para encobrir o financiamento da política e dos partidos, depois que o esquema de contas fantasmas foi estourado. Agências movimentam grandes somas oriundas dos contratos, embora o grosso vá para o pagamento da mídia, restando-lhes uma remuneração que varia de 15% a 20%. Ao aliar-se a Valério, Delúbio teria herdado um esquema já usado por outros partidos, conforme o próprio publicitário teria revelado ao procurador-geral, Antonio Fernando. Segundo informação do blog de Jorge Moreno, teriam sobrado poucos partidos fora da lista.

Ele teria dito ainda uma meia verdade quando afirmou, na CPI, que a maioria de seus contratos hoje é com empresas privadas. Dos R$20,9 milhões que movimentou entre 2003 e 2005, o grosso teria vindo mesmo de clientes privados. Alguns, verdadeiros, ele está começando a perder. Outros contratos seriam fictícios, um véu para justificar doações. Os serviços nunca teriam sido prestados mas as notas fiscais, emitidas. Para multinacionais, principalmente, que são proibidas de usar o caixa dois e em sua maioria de dar dinheiro para campanhas. Cópias de boa parte delas estariam naquele tonel de papéis apreendidos na casa de um policial em Minas. As datas de emissão remontam a 1998, reforçando o rumor de que o esquema já existia. Esta seria a fonte maior da dinheirama que Valério diz ter tomado emprestado. Superfaturamento de contratos, se houve, nem foi tão significativo mas pode ter entrado dinheiro de fundos de pensão irregularmente.

A DNA desponta no mundo político no primeiro governo de Eduardo Azeredo em Minas. Foi responsável pela campanha do hoje senador à reeleição em 1994. Quando o derrotou e assumiu o governo, Itamar Franco rompeu os contratos. Outra coincidência é que João Heraldo Lima, ex-secretário de Finanças de Azeredo, ao fim do governo torna-se diretor do Banco Rural. Ele foi mencionado por Fernanda Karina como um interlocutor freqüente de Marcos Valério. Na mesma eleição de 1994, a DNA bordejou a campanha de campanha de Fernando Henrique através de seu coordenador, Pimenta da Veiga, mas foi repelida pelo então presidente do PSDB, Sérgio Motta. Mas prestaria serviços ao Ministério das Comunicações quando Pimenta foi ministro e tinha na área de publicidade Gilberto Mansur. Através dele, Valério disse ter ido à revista ¿IstoÉ¿ contestar a primeira entrevista de Karina, que não chegou a ser publicada.

Os rumores sobre antigas relações entre Valério e o PSDB levaram os petistas da CPI à procura obsessiva de indícios neste sentido, acabando por elevar a beligerância da oposição. Mas se Valério confessou mesmo ter operado para outros partidos, tem novamente o país a oportunidade de abrir esta caixa-preta, a do financiamento da política. As brasas vão se espalhar mas terá sido criada a oportunidade para remover o tapete, aspirar todo o pó e instituir um sistema transparente de financiamento eleitoral, seja com dinheiro público ou privado. Desde que, neste último caso, como acontece em outros países, não haja a criminalização do doador legal e assumido, que doe recursos próprios e não extraídos do Estado através de negócios cruzados.

Disposto a colocar mais carga no barco adernado do PT, Valério negou a existência do mensalão. O que ele fala não deve ser tomado como verdade, mas mesmo na oposição já se acredita que, tal como descrito por Jefferson, com regularidade e pagando bancadas inteiras, não deve ter existido. Acredita-se que mais provavelmente, para usar a expressão de Jefferson, Delúbio prestava socorro a petistas e aliados com alguma ¿unha encravada¿: ajuda para campanha, paga o pagamento de dívidas e necessidades afins.