Título: Um pente-fino nos fundos
Autor: José Casado
Fonte: O Globo, 17/07/2005, O País, p. 3

CPI dos Correios suspeita de fraude e enriquecimento ilícito envolvendo aliados do governo

ACPI dos Correios vai quebrar o sigilo dos fundos de pensão de estatais Previ (Banco do Brasil), Postalis (Correios), Petros (Petrobras) e Real Grandeza (Furnas e Eletronuclear), cujas diretorias foram partilhadas entre PT, PTB, PP, PL e PMDB. A decisão será tomada em votação prevista para esta semana.

A comissão quer examinar as negociações com títulos financeiros realizadas durante os últimos 24 meses para identificar vendedores e intermediários. No alvo estão os investimentos milionários em títulos pós-fixados (remunerados com base na variação do IGP-M e no IPCA) e transações com os bancos Santos, Rural, BIC, BMC, BMG, Pine e Panamericano.

Há suspeita de fraudes, enriquecimento ilícito de diretores e pagamento de altas taxas de corretagem a intermediários ligados a partidos aliados do governo. Em alguns casos, fundos de estatais teriam comprado papéis de remuneração baixa ¿ na base do IGP-M mais zero de juros, ou seja, apenas a correção da inflação e mais nada. Em outros, como ocorreu na Fundação Real Grandeza, compras de títulos (CDBs, principalmente) chegaram a corresponder a 25% do patrimônio do Banco Santos, 20% do Rural e 15% do BMG.

A CPI pretende, também, dimensionar eventuais perdas dos fundos de estatais em renegociações de investimentos, nos quais teriam assumido até 100% do capital total e votante de empresas cujas ações sequer têm valor no mercado.

Partidos de oposição, PFL e PSDB preparam uma ação paralela e específica sobre a Petrobras, por causa de gastos de R$850 milhões com publicidade no ano passado ¿ o triplo do ano anterior ¿ e de encomendas de plataformas marítimas (US$1 bilhão) a fornecedores nacionais. Há suspeita de superfaturamento.

No setor de energia, síntese dos negócios

Integrantes da CPI estão reconstituindo em detalhes o mapa do uso político de empresas públicas e de fundos de pensão. Eles encontraram no setor energético uma síntese dos negócios entre estatais e consultorias, corretoras e bancos privados, que resultaram em benefícios financeiros a integrantes de PT, PTB, PP e PMDB ¿ intermediados por Marcos Valério de Souza, o suposto pagador do mensalão a parlamentares.

Logo após a posse, o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, dividiu áreas-chave do comando das estatais Furnas e Eletronuclear entre o seu PT, o PTB do deputado Roberto Jefferson e o PP do deputado José Janene. São empresas com um fluxo de caixa mensal de R$400 milhões e 12 usinas (dez hidrelétricas e duas atômicas), que fornecem energia à região onde se concentram 65% do Produto Interno Bruto.

O acordo se estendeu ao controle do fundo de pensão dos empregados dessas estatais, a Fundação Real Grandeza, cujos ativos somam R$4,8 bilhões. A presidência da entidade foi entregue a uma ala de sindicalistas do PT do Rio, liderada pelo deputado Jorge Bittar. O governo nomeou diretores indicados por PTB, PP e PMDB.

Como chefe da Casa Civil, Dirceu não participava de todas as etapas das negociações da base parlamentar. Elas eram conduzidas pelo então secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, geralmente na sede do PT em Brasília. Ele escolhia a equipe de assessores de cada diretor nomeado por partido aliado. Sandra Cabral, assessora da Casa Civil, cuidava do arquivo com a memória desses acordos. Ela foi escolhida por relações de confiança com Delúbio Soares, então tesoureiro do PT.

A partir do primeiro semestre do governo Lula os negócios de Furnas, Eletronuclear e Real Grandeza mudaram de rumo. O milionário resseguro de Furnas e da Eletronuclear, por exemplo, foi entregue à corretora Assurê, do empresário carioca Henrique Brandão, habitual financiador de campanhas de Roberto Jefferson, então presidente do PTB. É proibida a atuação de corretoras privadas em negócios de resseguro na área nuclear. Mas isso não significou problema. A Assurê foi aceita por José Marcos Castilho, ex-prefeito de Angra dos Reis pelo PT, escolhido para a diretoria financeira da Eletronuclear por Marcelo Sereno, então assessor da Casa Civil.

Dirceu também entregara o comando do Instituto de Resseguros do Brasil a Jefferson e a Janene. O presidente do PTB indicou o então presidente, Lídio Duarte, e o líder do PP na Câmara conseguiu a nomeação do diretor comercial, Luiz Eduardo Lucena.

O corretor amigo de Jefferson queria ser escolhido pelo IRB para atuar no segmento de resseguros. Associou-se à Acordia, subsidiária do grupo norte-americano Wells Fargo e foi escolhido pelo IRB. No fim do primeiro ano de operação faturava mais de R$15 milhões e garantira os contratos de resseguro da Eletronuclear, de Furnas e da Infraero ¿ estatais entregues por Dirceu ao PTB de Jefferson e ao PP de Janene.

Os documentos já reunidos pela CPI sugerem que o dinheiro do mensalão saía tanto de empresas públicas quanto privadas, fornecedoras de bens e serviços. A cobertura da coleta financeira era feita por uma das 14 empresas de Marcos Valério. O governo lhe dera contratos com estatais diferentes. No setor elétrico, um de seus clientes era a Eletronorte, que chegou a criar uma ¿assessoria parlamentar de resultados políticos¿, como informa o último balanço. Para empresas privadas, fornecedoras das estatais, a cobertura dada por Valério era com emissão de notas fiscais sobre serviços supostamente prestados.

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