Título: `Tratava-se de levantar recursos de campanha¿
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 17/07/2005, O País, p. 15

Ex-petista, sociólogo diz que nomeação de Waldomiro para a Loterj foi obra de Dirceu para financiar a eleição

Um personagem-chave da primeira crise enfrentada pelo governo Lula decidiu quebrar o silêncio adotado desde que revelou ter alertado parte da cúpula petista sobre indícios de corrupção envolvendo Waldomiro Diniz, ex-assessor do Planalto, quando presidia a Loterj. Em entrevista ao GLOBO, o sociólogo e ex-petista Luiz Eduardo Soares diz que Waldomiro foi enviado ao Rio pelo então presidente do PT, José Dirceu, com a missão de levantar recursos para a campanha presidencial de 2002. Segundo Soares, Dirceu e o ex-governador Anthony Garotinho costuraram um acordo às escuras. Em troca do apoio de Garotinho a Lula no segundo turno, Dirceu teria firmado um pacto de não-agressão ao ex-governador, que incluiria a desistência do PT do Rio em realizar auditorias nas contas do estado. Soares afirma que, se preciso, contará tudo à CPI dos Bingos.

O que foi negociado entre o PT e Garotinho para a campanha de 2002? SOARES: Waldomiro veio para o Rio ocupar um cargo que exige confiança (presidência da Loterj), depois que o PT saiu do governo Garotinho e passou à oposição. Não veio em nome do PT. Sabendo-se que era ligado ao então presidente do PT (Dirceu), não é difícil entender que ele entrou no governo em função de negociações entre Dirceu e o governador. Sua participação representava uma aliança com vistas ao segundo turno das eleições presidenciais.O que estava em jogo?SOARES: Pelos indícios disponíveis à época, que a divulgação da famosa fita (em que Waldomiro é flagrado cobrando propina do empresário Carlinhos Cachoeira para campanhas) posteriormente confirmou, tratava-se de levantamento de recursos para campanhas. Tudo indica que o acordo incluía outros ingredientes.Quais?SOARES: Benedita, então vice-governadora, tinha de aceitar assumir o governo contra sua vontade, em abril de 2002. Ela não poderia recorrer a auditorias nas contas deixadas por Garotinho. Teria de herdar um governo quebrado sem fazer muito barulho. Livre para vencer ela estava, é claro, desde que respeitasse todas essas limitações. Do outro lado da derrota, Lula, já entronizado no reino dos céus, a receberia de braços abertos e lhe abriria as portas ministeriais (Benedita foi ministra da Ação Social).Que indícios existem da existência desse acordo? SOARES: Não houve auditoria nas contas que Benedita herdara. Além disso, ela sempre poupou Garotinho. Depois que manifestei minha indignação, fui excluído da campanha na TV e no rádio. Meu afastamento foi exigido por Marcelo Sereno, representante de José Dirceu no governo Benedita, em reunião no Palácio Guanabara.Como foi a divisão de cargos nos nove meses do governo Benedita? SOARES: O governo foi loteado entre as tendências do partido. Poucos foram os nomes técnicos incluídos. O que se visava não era realizar nove meses inesquecíveis, era montar máquinas eleitorais para eleger os deputados. Esmagada por pressões de todos os lados, Benedita fez tudo o que estava a seu alcance para não perder as rédeas do governo e preservar o interesse público.Qual era o papel de Marcelo Sereno nesse período? SOARES: Ocupava o principal cargo do governo do Rio. Além disso, ele se dedicava a levantar recursos para a campanha presidencial.Se o senhor foi afastado no Rio, por que assumiu no governo Lula o cargo de secretário nacional de Segurança? SOARES: Fui posto à margem da campanha do Rio porque me insurgi contra a decisão de poupar Garotinho, contra a superposição de funções de Sereno e contra a manutenção de Waldomiro à frente da Loterj. Fui convidado, a despeito da oposição de Dirceu, talvez porque eu tenha uma longa e respeitável caminhada. Senti-me honrado porque acreditava no governo. Além disso, confesso que duvidei dos indícios sobre Waldomiro, quando o vi içado à Casa Civil. Pensei: Dirceu pode ser um stalinista inveterado e ter outros defeitos, mas não é louco. Só caí em mim quando vi pela TV a famigerada fita.A sua saída teve como motivo as denúncias feitas? SOARES: Foi elaborado e vazado para imprensa um dossiê apócrifo, contendo as calúnias mais graves que se possam imaginar contra mim. Depois vieram as acusações de nepotismo, quando, na verdade, Miriam Guindani, minha companheira, não ocupava cargo na secretaria, só produziria uma pesquisa. O mesmo vale para Bárbara Soares, minha ex-esposa. Hoje, me parece claro: a Casa Civil e a presidência do PT me queriam fora e desmoralizado. Por quê? Deixo a resposta aos leitores. Suas declarações não podem ser interpretadas como ressentimento por ter sido afastado? SOARES: Era isso que muitos diziam antes de o país ser coberto pelo escândalo da corrupção. Muitos achavam que eu era um criador de casos, que via fantasmas e brigava com todo mundo. Será que os fatos já não são suficientemente claros?Se fosse convocado a depor na CPI, contaria isso? SOARES: Não tenho o que acrescentar ao que está dito nesta entrevista, mas, se chamado, repetiria tudo.