Título: DELEGACIA LEGAL NA MIRA DA PF
Autor: Antonio Werneck
Fonte: O Globo, 17/07/2005, Rio, p. 18

Inquérito investiga suspeita de superfaturamento nos valores de obras e equipamentos

Oex-governador Anthony Garotinho, atual secretário estadual de Governo, está sendo investigado pela Polícia Federal do Rio em inquérito aberto para apurar supostas irregularidades em licitações do projeto Delegacia Legal, implantado há seis anos para ser o carro-chefe da política de segurança da sua gestão. A investigação refere-se à primeira fase do projeto, quando foram liberados, em 1999, cerca de R$4 milhões em contrato assinado entre o governo do estado, a Secretaria de Segurança Pública e a Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coppetec). As suspeitas apontam para superfaturamento no preço das obras e na compra de material de informática. O governo estadual nega a acusação.

No mesmo inquérito, aberto este mês pela Delegacia de Polícia Fazendária da PF, são investigados o deputado federal Josias Quintal (PMDB), ex-secretário de Segurança Pública; e o professor Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, que em 1999 ocupava o cargo de subsecretário de Segurança Pública do Rio. Procurado na semana passada, o delegado Hélio Christian, responsável pelo inquérito, disse que não ia falar sobre o assunto.

A investigação foi autorizada em novembro de 2004 pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), depois de analisar um pedido do então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, que estudou o processo e encontrou indícios de irregularidades. Mas somente este ano a decisão do STF foi enviada ao delegado federal José Milton Rodrigues, superintendente da PF do Rio, que determinou que o inquérito fosse aberto na Fazendária. Garotinho já foi intimado, mas, como tem foro privilegiado por ser secretário de estado, poderá escolher dia, local e hora em que vai prestar depoimento.

Comissão sugeriu revisão de valores

O deputado Josias Quintal, primeiro a ser chamado e que já prestou depoimento, disse ao GLOBO que assumiu a Secretaria de Segurança Pública três meses depois da inauguração da primeira Delegacia Legal. Ele disse ainda que não poderia dar informações sobre seu depoimento, mas que não encontrou fatos novos em relação ao que já tinha sido investigado pelo Ministério Público estadual.

¿- Apresentei minha atuação no caso à Polícia Federal. Outros serão ouvidos e aguardo a decisão deles (da PF) com tranqüilidade ¿ disse Josias.

Fontes ouvidas pelo GLOBO, entretanto, disseram que em seu depoimento Josias teria informado à PF que o contrato foi firmado após autorização governamental publicada no Diário Oficial do Estado no dia 16 de março de 1999. Ainda segundo Josias, o contrato previa o repasse de recursos em seis parcelas. O deputado admitiu que, ao assumir a secretaria, determinou a instalação de uma comissão para verificar supostas irregularidades no contrato, seguindo sugestão da Subsecretaria de Administração da própria Secretaria de Segurança Pública. Ao concluir seu trabalho, a comissão teria recomendado ao então secretário uma revisão dos custos da obra, com a diminuição dos valores em favor do estado. Também recomendou a formalização de um termo aditivo ao contrato inicial levando em conta os novos valores.

¿ Segundo Josias, o contrato previa um custo inicial de R$4.056.286,98 para a primeira fase do projeto, mas, com o termo aditivo, o valor teria caído R$3,8 milhões. Uma diferença de R$256 mil ¿ disse uma fonte do Ministério Público.

As investigações que chegaram ao Supremo Tribunal Federal no ano passado foram iniciadas pelo promotor Cláudio Calo Sousa, que em 2003 era o titular da 24ª Promotoria de Investigação Penal do Ministério Público estadual. Ele tomou a decisão depois de ter acesso ao relatório da comissão criada por Josias Quintal. O documento apontava indícios de superfaturamento no projeto Delegacia Legal, constatando uma diferença de até 104% entre os preços de equipamentos de informática fornecidos ao projeto e os cobrados no mercado. Também teria encontrado diferença nos custos das obras.

Ainda de acordo com a comissão, a Coppetec cobrava da Secretaria de Segurança R$16 mil por um equipamento Switch Cisco 1920 (um tipo de computador), que na época podia ser encontrado no mercado por R$7.841,19. A conclusão no relatório é de que houve, em média, um superfaturamento de 47,89% para equipamentos de informática e de 26,63% para obras e serviços de implantação física da Delegacia Legal. A comissão também teria constatado a falta de notas fiscais de alguns equipamentos entregues. Os integrantes da equipe teriam analisados os preços das obras executadas no térreo da 5ª DP (Gomes Freire) e no resto do prédio, onde funciona a coordenação do projeto Delegacia Legal.

O subsecretário de Segurança Pública na época, Luiz Eduardo Soares ¿ que deverá ser o próximo a prestar depoimento ¿ disse que as denúncias são as mesmas feitas em 1999 e que tinham caráter político. Segundo ele, não foi feita licitação para equipar a primeira Delegacia Legal ¿ a 5ª DP ¿ devido ao caráter de urgência do programa e porque a Coppetec ¿tinha notório saber neste tipo de projeto¿. Quanto à denúncia de superfaturamento, ele disse que os documentos que supostamente mostram o fato não podem ser comparados.

¿- Pegaram o orçamento, feito em janeiro de 1999, e compararam com o preço que nós pagamos três meses depois. A comparação não era possível porque em janeiro de 1999 houve a desvalorização do real e os preços dos equipamentos que compramos, a maioria importados, aumentaram imediatamente ¿ explicou Luiz Eduardo.

Procurador: não há irregularidades

Procurado pelo GLOBO na última quinta-feira, o secretário de Comunicação Social do governo do estado, Ricardo Bruno, informou que o ex-governador Anthony Garotinho não ia falar sobre o assunto. O procurador-geral do Estado, Francesco Conte, disse que a procuradoria ia prestar todas as informações necessárias à PF para esclarecer o caso. Ele não soube dizer em que dia o ex-governador vai prestar depoimento sobre o assunto.

¿ Mas gostaria que constasse o meu testemunho de que a procuradoria na época examinou todo o processo e emitiu um parecer no sentido da regularidade do contrato. Fizemos um exame bastante minucioso, não encontrando irregularidade ou superfaturamento na execução das obras ¿ afirmou Conte.

Nos documentos encaminhados ao STF e obtidos pelo GLOBO, o então procurador-geral Claudio Fonteles informa que o procedimento visava a ¿apurar suposta irregularidades nos procedimentos licitatórios¿ do projeto. Segundo ele, a responsabilidade caberia, em tese, ao governador do estado (na época Garotinho), ¿que firmou contrato, através da Secretaria de Segurança Pública, com a Fundação Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos (Coppetec), tendo por objetivo a implantação física e o desenvolvimento e instalação da rede de informação¿.

COLABOROU Dimmi Amora