Título: PREVIDÊNCIA TEM NOVA AMEAÇA EM SUAS CONTAS
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 17/07/2005, Economia, p. 31

Aposentadoria para donas de casa e ambulantes pode provocar rombo quando benefício começar a ser pago

BRASÍLIA. O momento é de reduzir gastos e tampar o ralo da Previdência Social, diz a sociedade, com apoio da equipe econômica. Na contramão, porém, o governo, respaldado pelo Congresso, criou mais uma despesa obrigatória ao garantir a donas de casas, vendedores ambulantes, motoristas de táxi e trabalhadores autônomos (eletricistas, pedreiros) o direito de se aposentar com um salário-mínimo após pelo menos 15 anos de contribuição e desde que cheguem à idade mínima obrigatória.

Socialmente correta - ao tentar incluir pelo menos 3,5 milhões de pessoas na rede pública de proteção - a medida, dentro de 15 anos, terá impacto estimado por especialistas de R$90 bilhões nos cofres públicos, ao longo dos dez anos seguintes. A regulamentação do novo benefício foi incluída na medida provisória 242 - que trata das novas regras do auxílio-doença - que passou pela Câmara e está trancando a pauta do Senado.

Para receber o benefício, esses trabalhadores deverão contribuir para o INSS durante 15 anos, com uma alíquota de 11% sobre o salário-mínimo, o que corresponde hoje a R$33. Atualmente, o menor percentual cobrado dos contribuintes individuais é de 20%. O benefício está vinculado ainda à aposentadoria por idade: 65 anos para homens e 60 para mulheres, mesmo que esses segurados já tenham completado o prazo de contribuição.

Ipea: a médio prazo, conta vai para o contribuinte

Segundo cálculos do pesquisador Paulo Tafner, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor de Economia da Universidade Cândido Mendes, embora os novos contribuintes possam gerar uma receita líquida de cerca de R$60 bilhões nos primeiros 15 anos, o déficit do INSS poderá atingir R$90 bilhões em dez anos.

Tafner explica que, quando essas pessoas começarem a se aposentar, o valor gasto com pagamento de benefícios será crescente e, num prazo de dez anos, será 50% maior do que o montante arrecadado com as pessoas que estiverem contribuindo. A estimativa, que segundo o professor é conservadora, teve como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2002, do IBGE, e considerou um público-alvo entre cinco e sete milhões de beneficiários.

- O saldo é negativo no médio prazo e mais uma vez, a conta vai sobrar para o contribuinte - diz Tafner.

Nos cálculos, foi utilizada uma taxa de juro real de 3% ao ano, considerada baixa. Além disso, foram computadas apenas despesas futuras com aposentadoria e pensão por morte. Gastos com auxílio-doença e salário-maternidade - a que os novos beneficiários terão direito - ficaram de fora. Também não foi considerado o efeito migratório de contribuintes que pagam a alíquota de 20% para a faixa de 11%.

Segundo Tafner, a nova medida é um desestímulo aos demais trabalhadores que passam a vida contribuindo para receber benefício idêntico a outra pessoa que contribui somente por 15 anos.

Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, o governo está engessando ainda mais os gastos públicos. Ele destaca que atualmente 90% dos gastos não-financeiros da União (excluindo pagamento com os juros e amortizações) se referem a despesas obrigatórias. Além disso, Velloso afirma que o montante aportado pelos novos contribuintes será insuficiente para pagar os benefícios no futuro:

- O país vive uma verdadeira penúria financeira e, por isso, é preciso pensar muito antes de conceder um benefício, seja ele qual for.

Velloso argumenta que a medida vai levar muita gente, que antes não tinha direito aos benefícios assistenciais, com regras mais rígidas, a bater nas portas da Previdência para receber um salário-mínimo como aposentadoria.

Apesar de todas as ressalvas, alguns especialistas em previdência argumentam que os custos com o pagamento das aposentadorias compensam. Para eles, seria uma forma de distribuir renda e fazer girar a economia, uma vez que esses trabalhadores não têm nenhuma proteção previdenciária e têm alguma capacidade de contribuir.

- A inclusão previdenciária é importante - afirmou o ex-secretário de Previdência Social, Marcelo Estevão.

Segundo dados do IBGE, 27 milhões de brasileiros entre 16 anos e 59 anos, apesar de se declararem ocupados e, portanto, recebendo alguma renda, não contribuíam para o INSS em 2002. Do total, 11 milhões recebem entre um e dois salários-mínimos (3,9 milhões ganham até um mínimo e 7,1 milhões, entre um e dois salários).

Ministro: recolhimento de 20% é muito caro

Para esse público, no entanto, destacou o ministro da Previdência, Romero Jucá, o recolhimento de 20% sobre salário-mínimo para o INSS é muito caro. Atualmente, o patrão paga 20% sobre a folha e o trabalhador, alíquota que varia entre 7,65% e 11% do salário. O peso da contribuição foi o motivo que tirou a dona de casa Rosa Lúcia Barbosa do sistema previdenciário. Ela trabalhou como recepcionista entre 1983 e 1990, mas depois não continuou como contribuinte individual no sistema.

- Eu deveria ter continuado a contribuir, perdi tempo, mas tinha o problema financeiro. Mas R$33 de gasto vale a pena - diz ela, que tem hoje 50 anos e com mais oito de contribuição no novo sistema poderá se aposentar aos 60 anos de idade.

O vendedor de ervas, raízes e chás, Carlos Alberto Moreira, que trabalha desde adolescente e nunca contribuiu para o INSS, começou a pensar nessa possibilidade há um ano e meio, depois que seu filho nasceu:

- Se eu ficar doente, me curo com as ervas, mas quero me aposentar um dia.

Legenda da foto: CARLOS ALBERTO Moreira, ambulante, quer um dia se aposentar