Título: VERSÕES: CONSTRUIR E DESCONSTRUIR
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 18/07/2005, O País, p. 4

Em 24 horas, ficou claro que a versão arrumadinha de Valério e Delúbio para explicar saques milionários nas empresas de um, destinados a partidos e pessoas indicados pelo outro, não convenceu. Não basta à CPI, porém, ir à TV compará-la à Operação Uruguai dos tempos colloridos.

A explicação dos empréstimos contraídos pelo publicitário para ajudar o PT a pagar suas dívidas parece ter mesmo o nítido propósito de deixar os protagonistas do escândalo - e, sobretudo, integrantes do governo - a salvo de acusações de corrupção ativa e passiva, desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e tráfico de influência suscitadas pelas denúncias de pagamento de mensalão. Para quem está na linha de tiro, como Valério, Delúbio e o PT, fica tudo mais fácil se jogado no terreno dos delitos eleitorais e da sonegação de impostos - considerados, pelo menos para efeito de opinião pública, crimes menores. Afinal, atire a primeira pedra aquele partido que nunca teve seu caixa dois...

Nesse tipo de crise, porém, versões são montadas e desmontadas do dia para a noite. Convincentes ou não aos olhos do público, sustentam-se quando amparadas em documentos e provas. Se provas e documentos não existem, resistem só até serem desconstruídas por uma investigação bem feita.

Ou seja, mais uma vez não há outro jeito a não ser investigar, investigar e investigar. Esse é o desafio da CPI que ouve esta semana o próprio Delúbio e o ex-secretário do PT Silvio Pereira. De preferência, sem pirotecnia. A esta altura do campeonato, com o país já saturado de declarações bombásticas, bate-bocas e pronunciamentos ao vivo e a cores nas sessões da comissão, bem que seus integrantes podiam fazer o dever de casa e passar esses dois dias trancados nos gabinetes estudando documentos e provas. E, na hora de inquirir, se preocupar menos em jogar para a platéia e mais em chegar a alguma certeza.

Pois, nessa história toda, ainda há uma quantidade enorme de pontas desamarradas. Por exemplo:

1. É preciso provar documentalmente que todo o dinheiro que passou pelo valerioduto veio dos alegados empréstimos bancários. É bom lembrar que relatórios do Coaf mostraram depósitos vultosos de empresas, e não apenas bancos, nas contas de Valério. Esses recursos também não iriam para o PT?

2. A dupla alega que repassou os recursos ao PT e a partidos aliados para pagar dívidas da campanha de 2002 e preparar a base aliada para as eleições de 2004. Não poderia ser o mensalão? O mensalão até agora não teve sua existência comprovada enquanto contribuição mensal - o que leva muitos a acharem que não existia na forma denunciada por Roberto Jefferson. Mas, cá entre nós: há como provar se o dinheiro ilegal foi dado ao sujeito para pagar despesas de campanha, para compensá-lo por ter mudado de partido ou por ter votado com o Planalto? Razões eleitorais são moralmente mais defensáveis, mas o ato de repassar os recursos é o mesmíssimo. E, ao que se saiba, nenhum beneficiado dá recibo para comprovar como gastou dinheiro de caixa dois.

3. O que levou o bondoso Marcos Valério a contrair empréstimos de R$40 milhões só para repassar ao PT, que nunca o pagou? O que ele deu aos bancos em garantia? Perguntinha danada. Não existe almoço grátis. Ainda que a versão dos empréstimos seja verdadeira, a movimentação do publicitário dentro da máquina estatal mostra que Valério pode ter sido pago de outra forma.

4. Nada disso explica as denúncias de corrupção nos Correios, no IRB.... E nem o uso dos recursos dos fundos de pensão e outras denúncias de desvio de recursos públicos. Muito menos as tais "fabriquinhas" que teriam sido criadas para gerar recursos para os partidos aliados a partir da distribuição política dos cargos.

5. Marcos Valério não nasceu com o PT. É preciso mostrar se e como a lavanderia funcionava antes da eleição dos petistas.

6. O resto da cúpula do PT não sabia nada sobre esses empréstimos? Por que o compromisso entre Delúbio e Valério foi um documento particular? Diz-se que pela mesma razão pela qual Roberto Jefferson se responsabilizou pessoalmente pelos R$4 milhões que diz ter recebido do esquema Valério. Partido flagrado em negócios irregulares com dinheiro de caixa dois pode perder o registro na Justiça Eleitoral. O que não quer dizer que outros não soubessem de nada...