Título: Bem comum
Autor:
Fonte: O Globo, 18/07/2005, Opinião, p. 6

O chamado coquetel para o tratamento da Aids é composto por 15 drogas diferentes. O atendimento gratuito que o governo brasileiro proporciona aos doentes é, portanto, não apenas altamente meritório como muito custoso - perto de R$1 bilhão por ano. Para baratear o programa, é necessário fazer uso de todos os recursos - e o mais valioso deles é a quebra de patentes de laboratórios internacionais; mais precisamente, a ameaça de quebrar patentes, para induzir o fabricante a baixar seus preços.

Foi o que se fez recentemente com o Kaletra, fabricado pelo laboratório Abbott. Como base legal, o governo se valeu da declaração de quatro anos atrás da Organização Mundial do Comércio (OMC), pela qual considerações de saúde pública se sobrepõem ao Acordo de Propriedade Intelectual. Não foi decisão inédita, longe disso: ainda em 2001, pouco depois do ataque às torres gêmeas de Nova York, o governo canadense quebrou a patente do remédio Cipro, fabricado pela Bayer para tratamento de antraz, que se supunha estar em vias de ser disseminado por terroristas. Foi, observe-se, uma decisão de país rico, e tomada por precaução para combater um risco possível, não uma epidemia já presente como é hoje a da Aids.

Quanto a ameaçar, o governo Lula está repetindo o que fez mais de uma vez, e de maneira igualmente justificada o governo Fernando Henrique, e aliás também o governo dos Estados Unidos, aplicando pressão inteiramente legítima a fim de trazer benefícios para a saúde pública.

O próprio sucesso do tratamento da Aids e o relaxamento que ele parece ter provocado causaram recrudescimento do número de casos. É preciso portanto reforçar as campanhas de esclarecimento e prevenção; mas é igualmente indispensável persistir no programa de tratamento - e ampliá-lo, na medida do necessário. Nesse contexto, considerações como a lucratividade dos laboratórios farmacêuticos têm que ficar necessariamente em segundo plano.