Título: O FILHO DE LULA E OUTROS FILHOS DE PRESIDENTE
Autor: PAULO MOREIRA LEITE
Fonte: O Globo, 18/07/2005, Opinião, p. 7

O biólogo Fábio Luís Lula da Silva, um dos cinco filhos do presidente da República, envolveu-se num falso escândalo e num problema real quando a Telemar decidiu pagar R$5 milhões por uma fatia das ações da empresa de games da qual é sócio. O escândalo é falso porque não há um fiapo de prova para condenar a transação. O problema é real porque ninguém acredita que empresas do porte da Telemar façam negócio com um filho do presidente da República numa ação comercial de mercado - mas porque esperam levar vantagem.

O inferno que familiares podem produzir na vida de um governante é tão profundo que a única atitude aceitável é renunciar a qualquer negócio enquanto durar o mandato político do chefe da casa. Parentes podem e até devem trabalhar, evitando casos vergonhosos de nepotismo. Mas é errado tentar enriquecer em transações que engordam o patrimônio.

Poucos ministros gostaram tanto do capitalismo, no Brasil, como Mário Henrique Simonsen. Mas ao assumir o cargo, há mais de 30 anos, Simonsen teve uma atitude exemplar. Vendeu todo o patrimônio em ações, para jamais se beneficiar, mesmo involuntariamente, de medidas que poderia ser obrigado a assinar como responsável pela política econômica de Brasília. Essa atitude higiênica ajuda a lembrar que no casamento da política com os negócios é preciso ter escolhas claras para separar interesse público e privado.

As dificuldades de quem assume postura contrária são universais. A primeira-ministra britânica Margaret Thatcher tinha um filho que virou escândalo porque aceitou serviços de lobista. O presidente francês François Mitterrand foi humilhado pelas suspeitas que cercavam os negócios de armas de seus filhos. Quando Bush pai estava na Casa Branca, Bush filho era cortejado pelos amigos ricos do pai, que adoravam montar empresas tendo o filho como sócio. Bush filho entrou na vida empresarial como dono de um carro usado. Ganhou tanto dinheiro que comprou um time de beisebol, mas ficou com a fama de ajudar barões do petróleo a montar empresas quebradas para fugir do Fisco. Ao se envolver em negócios ilegais com Saddam Hussein, o filho de Kofi Annan transformou o secretário-geral da ONU num zumbi engravatado.

Ao contrário do que gosta de supor a maioria dos governantes, os homens do povo adoram pensar coisa ruim de quem dorme em palácio. Consideram que ministros são aproveitadores que aguardam uma chance para encher o bolso e têm certeza absoluta de que o salário dos deputados está absurdamente alto - desde sempre. Sua maior convicção é de que os problemas nacionais seriam resolvidos se os políticos corruptos, quase todos conforme esta visão, estivessem na cadeia - e isso só não acontece, diz o povo, porque todo mundo leva vantagem, menos ele.

Negócios familiares causam constrangimento porque efetivamente parentes próximos são o alvo ideal para empresas interessadas em possuir um embaixador eficiente e exclusivo para defender interesses na intimidade do governo. Do ponto de vista operacional, a única dúvida consiste em saber qual é o familiar mais eficaz. A psicologia informa que o poder dos filhos sobre determinados pais chega ao infinito. É quase impossível resistir aos argumentos daquela pessoa que é carne da própria carne, que provoca sentimento de culpa a cada percalço e alegria imensa a cada vitória. Há quem alerte para esposas muito ambiciosas, porém. A tese tem um lastro patriarcal mas possui comprovações na vida prática. Muitas mulheres não se conformam de ver os amigos do marido usufruindo de luxo e riqueza a partir de favores e presentes que só "aquele trouxa" não aceita receber - e pressionam como podem.

O mais grave é que essa proximidade constitui um problema delicado, que não reside em fatos palpáveis nem em episódios concretos, mas na imaginação das pessoas. Não é preciso reunir provas materiais contra os envolvidos. Basta pensar. A grande empresa que agrada a um parente do presidente da República descobriu um ponto fraco no governo - e essa notícia não é boa para ninguém.

PAULO MOREIRA LEITE é jornalista.