Título: BANCOS TRADICIONAIS EM EXTINÇÃO
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 18/07/2005, Economia, p. 17

Das 30 bilhões de operações bancárias de 2004, apenas 12% foram nos caixas

O futuro será assim: saguão enorme cheio de caixas automáticas, um shopping de venda de serviços (seguros, previdência privada e investimento) e um guichê de caixa para atender aos que resistem à automação. Esse é o perfil que as agências devem assumir nesse século XXI. O caminho para esse padrão está sendo percorrido a passos largos: das 30 bilhões de transações bancárias realizadas em 2004, apenas 12% foram na boca do caixa, dentro das agências. Em 2000, representavam 20,4%. O restante foi feito nos caixas de auto-atendimento, pela internet ou pelo telefone.

Além da reestruturação do sistema financeiro nacional depois do fim da inflação, a automação foi o segundo principal fator de enxugamento da categoria dos bancários, uma das mais fortes e organizadas do país. Em 1989, eram 811.425 bancários no Brasil; em 2003, esse número baixou para 405.453, uma queda de 50% em 14 anos. Esse processo de encolhimento teve reflexos na rotatividade da mão-de-obra, que é bem superior à média nacional (3,15%). No setor bancário estava em 2003 em 7,15% e alcançou 11,4% em 2001, de acordo com dados reunidos pelo Dieese.

- A automação veio exclusivamente para diminuir o custo com o empregado e tem causado constrangimento para o cliente - disse Vagner Freitas, presidente da Confederação Nacional dos Bancários (CNB).

140 mil pontos de auto-atendimento

Murilo Barella, economista e técnico do Dieese na CNB, afirma que o processo bancário é muito propício à automação e ela só não é mais intensa por uma estratégia do sistema financeiro. A cada dia, os procedimentos ficam mais enxutos, queimam-se etapas:

- O perfil da clientela é um motivo. Faltam também marcos regulatórios como a certificação eletrônica. Sem contar os ataques de hackers. Mas a tendência é o bancário se transformar num vendedor de serviços. Hoje os bancos operam como uma holding de bancos, seguradora, consórcio e previdência privada.

O investimento do setor em tecnologia é inegável. O número de caixas de auto-atendimento subiu 30,60% de 2000 a 2004. São mais 140 mil pontos no Brasil. Além do aumento físico, praticamente todos os serviços passaram a ser oferecidos nos caixas eletrônicos e na internet. Hoje é possível consultar saldos e extratos, pagar contas e tributos, fazer investimento, contratar seguro, cartão de crédito, previdência privada e até empréstimo. Até o talão de cheque faz parte desse pacote tecnológico.

- Tudo começou há 20 anos atrás, mas o impulso maior surgiu na década de 90, com o aparecimento dos caixas multifuncionais. Há cinco anos, a internet surgiu como a grande revolução tanto para os clientes quanto para os bancos - disse Luís Marques de Azevedo, consultor da Febraban na área de tecnologia.

Mas o sistema que hoje permite que o cliente consulte saldos, faça saques, empréstimos, investimento, pagamento de contas e retire e deposite cheques também tem causado aborrecimentos aos consumidores. Falha bancária em transações eletrônicas e transação eletrônica não reconhecida representam 28% das queixas, o maior percentual entre as principais reclamações no Procon de São Paulo. Há cinco anos, o setor bancário está entre os cinco segmentos que mais têm queixas registradas no balcão do consumidor.

- Nos últimos dois anos, ficou em segundo lugar - disse Cláudia Costa, diretora de Estudos e Pesquisas do Procon.

Queixas indicam falta de segurança

Paulo Arthur Góes, assistente de direção do mesmo Procon, afirma que esse volume de queixas mostra que o serviço eletrônico não tem oferecido a segurança necessária ao cliente.

- E o consumidor tem o direito legal de escolher a forma de acessar o serviço. Os bancos não podem impor o uso do auto-atendimento - diz.

Azevedo, da Febraban, reconhece que o sistema financeiro ainda tem uma atitude muito reativa a fraudes e ataques no sistema eletrônico:

- É necessário se antecipar a esses ataques.

Os corretores Jorge Luiz de Abreu e Lucimar Nascimento Medeiros Lima reclamam dos obstáculos impostos para se conseguir chegar à boca do caixa:

- Estive num banco hoje. Precisava fazer um depósito direto no caixa, porque o dinheiro tinha que entrar logo na outra conta. Perguntei ao atendente se havia fila, ele disse que estava enorme. Resolvi conferir e não tinha ninguém na fila - diz Abreu.

Além disso, ele lembra das dificuldades de entrar na agência:

- Tem que abrir a pasta, tirar celular, moeda, chaves e enfrentar os atendentes que abordam você para usar o serviço nos caixas eletrônicos.

Lucimar reclama das tarifas altas, sobretudo as que envolvem cheque:

- Você paga o talão, o cheque avulso, o depósito do cheque e a compensação de cheques de baixo valor. É um absurdo. Vou fechar uma das minhas contas, para pagar menos tarifa.

E o Procon de São Paulo constatou esse gasto. Se contratar uma cesta de serviços, em média, o consumidor pagará R$222,84 por ano. Se usar as tarifas avulsas, o custo sobe para R$315,88.

Operações virtuais: 452% a mais desde 2000

A automação bancária ganhou impulso com a internet. As operações bancárias na rede aumentaram 40,4% de 2003 para 2004 e 452% quando comparadas com os números de 2000. Dois bilhões de transações foram realizadas no ano passado, somente por pessoas físicas. Somando-se ao uso das empresas, esse volume quase dobra: 3,9 bilhões de operações virtuais.

Na opinião de Luís Marques de Azevedo, consultor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) na área de tecnologia, o sistema na rede é mais completo que nos caixas de auto-atendimento.

- A partir de determinados valores é preciso identificar o destinatário de transferência. E isso só é possível na agência ou pela internet. Nos caixas eletrônicos não há teclado alfanumérico necessário para essa identificação - explica Azevedo.

O analista de sistema Daniel Quadrado se encontrou no banco pela internet. Faz todo o serviço bancário na rede e usa os caixas automáticos para fazer saques:

- Faço investimento, já peguei empréstimo e pago todas as contas. Com isso, minha hora de almoço aumentou. Gasto muito menos tempo hoje. Antes passava a maior parte do almoço em filas de banco.

Não é apenas o serviço dos caixas tradicionais que perde espaço nos bancos. Outro serviço que começa a entrar em decadência é o atendimento telefônico. Para se ter idéia, na comparação com 2000, a queda nas transações é de 11%.