Título: A triangulação de R$45 milhões
Autor: Regina Alvarez/Gerson Camarotti/Bernardo de la Peñ
Fonte: O Globo, 19/07/2005, O País, p. 3

Contratos de Valério com estatais foram dados como garantias de empréstimos para o PT

ACPI dos Correios já identificou pelo menos cinco empréstimos bancários tomados pelas empresas do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza nos bancos BMG e Rural cujas garantias eram contratos de publicidade com empresas estatais. Uma análise preliminar dos documentos mostra que o valor original desses empréstimos chega a R$45 milhões, sem considerar juros e correção monetária. O valor atualizado deve chegar a R$90 milhões, que seria a dívida atual do PT com o publicitário. Segundo Valério, os empréstimos contraídos por suas empresas foram repassados ao PT.

Os documentos mostram que Valério conseguiu os empréstimos com taxas de juros muito abaixo das praticadas no mercado. Dois desses empréstimos foram obtidos com taxas entre 1% e 1,2% ao mês. Isto equivale a taxas anuais de 12,68% e 15,39%, respectivamente. Em janeiro de 2004, quando um dos empréstimo foi obtido pela empresa Graffiti, da mulher de Valério, junto ao banco BMG, a uma taxa de 26,8% ao ano, a taxa média dos empréstimos para pessoas jurídicas cobradas pelo mercado era de 31,1% ao ano.

Eletronorte avalizou R$18 milhões

Fontes do próprio BMG confirmaram que a SMP&B, uma das agências de Valério, obteve junto à instituição um empréstimo que, em valores atualizados, chegaria a R$18 milhões. Foi oferecido como aval o contrato de publicidade firmado com a Eletronorte. O estranho é que o contrato da Eletronorte é com a outra agência de Valério, a DNA Propaganda.

A CPI recebeu documentos sobre outro empréstimo de R$19,7 milhões concedido pelo Banco Rural às empresas de Valério ainda em 2003. Os documentos que chegaram ontem à Comissão revelam que o contrato de publicidade da SMP&B com os Correios serviu como aval para, pelo menos, dois empréstimos concedidos às empresas de Valério pelo Banco BMG. Um deles seria de R$12 milhões que foi substituído por outro de R$15,6 milhões e agora já estaria em R$21 milhões.

O outro empréstimo do BMG, de R$3,4 milhões, foi feito pela SMP&B. A CPI encontrou a ainda a documentação de um empréstimo de R$10 milhões concedidos à SMP&B também pelo BMG. O exame dos documentos ainda é preliminar e a impressão é que algumas operações foram feitas para quitar outras.

¿Os bancos foram muito bonzinhos¿

O deputado Onix Lorenzoni (PFL-RS) quer que os fundos de pensão das estatais informem à CPI dos Correios todas as operações que esses fundos fizeram nos bancos BMG e Rural:

¿ Os bancos foram muito bonzinhos. Precisamos saber o que os fundos investiram neles.

Integrantes da CPI identificaram o mesmo procedimento em todos os empréstimos concedidos às empresas de Valério. Como garantia, o publicitário oferecia os contratos que mantinha com empresas estatais.

No caso do empréstimo de R$15,7 milhões feito pela Graffiti junto ao BMG, foram encontrados dois documentos que garantem a operação. Um deles registrado na Junta Comercial de Minas Gerais no dia 22 de março de 2004 e um instrumento particular feito em 6 de janeiro, no qual os sócios da agência transformam o banco que concedeu o empréstimo em seu procurador para ¿o fim específico de receber os créditos referentes aos direitos creditórios ou de títulos da ECT dos quais a SMP&B é titular em decorrência do contrato 12371¿, assinado em dezembro de 2003.

O documento que garante aos bancos o direito sobre os pagamentos feitos às agências do publicitário é conhecido como procuração irretratável. Os seja, uma procuração que não pode ser cancelada.

A operação do BMG com a Graffiti foi fechada em janeiro de 2004, um mês depois da assinatura do contrato com a estatal no valor total de R$72 milhões. Desse contrato, a agência de Valério recebeu ano passado R$29,6 milhões, já que a conta é dividida com outras duas agências de publicidade.

A documentação enviada pelo banco à CPI mostra que uma parcela do empréstimo de R$15 milhões, no valor de R$2,268 milhões, foi paga em 14 de julho de 2004. Foram feitas duas renegociações para que o pagamento do empréstimo que, originalmente teria de ser feito em julho do ano passado, fosse postergado para o dia 1º de setembro deste ano. A dívida ainda não foi paga. No dia 13 de julho, em valores atualizados, a Graffiti devia R$21,559 milhões ao BMG pela operação, de acordo com os documentos recebidos pela CPI.

Os avalistas da operação são os próprios sócios das agências de Valério que, além do direito sobre os recursos que seriam recebidos dos Correios, assinaram nota promissória no valor de R$20,446 milhões.

A CPI recebeu ainda ofício enviado por Valério no dia 26 de janeiro do ano passado aos Correios no qual ele pede que os recursos devidos à SMP&B sejam repassados à Grafiti. O documento contém o ¿de acordo¿ do então chefe do departamento de marketing dos Correios, José Otaviano Pereira, que atualmente dirige a área comercial da estatal.