Título: VERSÃO ENSAIADA
Autor:
Fonte: O Globo, 19/07/2005, Opinião, p. 6

Já no início da crise, as explicações e os desmentidos por parte da então cúpula do PT e do publicitário Marcos Valério soavam inverossímeis. Diante das evidências de que muito dinheiro ilegal transitou pela contabilidade das agências do publicitário mineiro e foi irrigar a conta de políticos aliados do governo, a CPI se tornou inevitável. E mesmo que tenha sido instalada para examinar o esquema de drenagem de dinheiro público montado nos Correios pelo petebista e denunciante Roberto Jefferson, a comissão passou a investigar o propinoduto montado por PT e Valério para injetar recursos de origem suspeita em desvãos do Congresso.

Se as primeiras tentativas de explicação não resistiram à sucessão de revelações, a versão assumida por Marcos Valério e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares para a circulação de milhões à margem da contabilidade do PT não consegue ficar de pé diante do que já foi descoberto. Segundo o publicitário e o tesoureiro afastado, tudo se resumiria a um caixa dois petista abastecido por empréstimos bancários levantados por Valério.

O misto de publicitário e lobista assumiu o papel de testa-de-ferro do PT, o que foi confirmado por Delúbio. Em resumo, Delúbio, sem o conhecimento de qualquer dirigente petista, tampouco de José Dirceu, contraiu uma dívida, por intermédio de Valério, de R$39 milhões, hoje já em R$90 milhões, para o partido arcar com o custo das campanhas de 2002 e 2004.

Por isso a história da dupla passou a ser chamada de Operação Uruguai-2, numa referência ao empréstimo forjado para justificar gastos inexplicáveis do presidente Fernando Collor de Mello.

A ajuda de Valério ao PT pode ser a metade verdadeira nessa versão, cujo objetivo é limitar o escândalo a um crime eleitoral. Com isso, tenta-se esconder as evidências de que uma fonte de financiamento do esquema devem ser contratos firmados por órgãos públicos e empresas estatais com agências de Marcos Valério. Ou algum outro mecanismo de desvio de dinheiro do contribuinte, tornado possível por causa do avassalador aparelhamento da máquina pública executado pelo PT. O depoimento ensaiado da dupla não pode impedir o Congresso de investigar a fundo as fontes de abastecimento desse endinheirado guichê de compra de apoio parlamentar.