Título: ATORDOADOS TUBÉRCULOS
Autor: Luiz Garcia
Fonte: O Globo, 19/07/2005, Opinião, p. 7

Parece que a fase histriônica da crise já se esgotou. Caras e bocas de Roberto Jefferson deixaram de nos divertir, dinheiro em cuecas tem limitado poder de fazer rir. E não há mais graça em lembrar o prócer petista que fala em ¿batatas tontas¿.

Embora ele tenha sua razão: ou não parecemos, quase todos, atordoados tubérculos?

Se serve de indicação para o que ainda está por acontecer, não há mais dúvidas de que existe no país um núcleo de poder incompetente no controle e na limitação da corrupção no setor público.

Pior: não é aquela corrupção no varejo, praticada por quem pela primeira vez senta-se à mesa do banquete. O perfil que se desenha a cada dia com maior nitidez é o do abuso e dos desmandos usados como instrumento de fortalecimento do poder político.

Não era bem o que se esperava do PT.

O uso do Estado para fins particulares é endêmico nas democracias modernas. Mas a boa gestão parece sempre encontrar meios para limitar abusos. Pelo mundo democrático afora, aceita-se conviver com certos limites de ladroagem oficial. Claro, preservando-se áreas tão vulneráveis quanto estratégicas, como as da economia. Não é moleza: exige altas muralhas, com ameias bem patrulhadas. Aqui, é o que se vê nos domínios de Palocci & Cia. Onde mais?

Toda administração desprovida de maioria suficiente no Legislativo compra (busca, convida, recruta, se preferem expressões mais suaves) aliados para tocar seus programas e projetos de governo. Mas o governo Lula dá sinais de ter adquirido certos companheiros de jornada como quem compra legume em fim de feira: o que estava disponível na hora, sem qualquer compromisso com sabor e qualidade.

Deu no que tem dado.

Não há contagem exata sobre quantos homens públicos de adequada formação moral e reconhecida habilidade estratégica (não basta uma sem a outra) sobrevivem a esta altura no núcleo do poder. O país deve rezar para que sejam suficientemente numerosos. Sua missão, caso essa elite ética resolva aceitá-la, seria tomar a bandeira da honestidade (e a da eficiência, já que uma depende da outra) de mãos que não merecem empunhá-la. Sem esquecer: a esta altura, a administração eficiente da integridade tem peso consideravelmente superior ao da simples ou simplória pureza da alma ¿ talvez a principal virtude do presidente Lula.

Trocas de nomes no Ministério podem ser necessárias; algumas pareciam indispensáveis há bastante tempo. Também parece necessário finalmente dar um basta na ocupação maciça de escalões médios e inferiores da administração por especialistas em militância partidária e nada mais. Disso, muito se sabe, pouco se faz.

A salvação da viabilidade do governo não se decidirá nas batalhas verbais em CPIs. Não será lá que o Planalto corrigirá rumos e elegerá opções: nessa arena, apenas se defende, elevando a voz ou empurrando com a barriga, conforme o caso.

Uma desejável meta comum, partilhada por áreas respeitáveis do governo e grupos sérios da oposição poderia ser impedir que a crise política se transforme em crise institucional: aquela em que o cidadão não perde a fé apenas nos homens e nos partidos ¿ e estende sua descrença ao próprio sistema político.

Não está em jogo apenas a sobrevivência do governo Lula, manquitola ou minimamente prestigiado. O crucial, e talvez o pior, é o que virá depois dele. Por enquanto, as batatas parecem cada dia mais tontas.