Título: A CONCERTAÇÃO NECESSÁRIA
Autor: JEFFERSON PÉRES
Fonte: O Globo, 19/07/2005, Opinião, p. 7

Se, como dizem os chineses, as crises são geradoras de oportunidades, então, aproveitemos a situação difícil que o país atravessa, a fim de encontrarmos uma saída para a armadilha em que parece aprisionado.

Falando apenas em meu próprio nome, não do meu partido, entendo que os políticos dotados de lucidez e senso de responsabilidade, do governo e da oposição, sem prejuízo do papel de cada um, deveriam costurar um projeto de consenso para o Brasil.

Não seria apenas um acordo conjuntural, com vista à superação da crise presente. Muito mais do que isso, buscar-se-ia um entendimento em torno do básico, aceito pelos principais partidos como indispensável à remoção dos obstáculos que impedem a retomada de um processo de desenvolvimento duradouro.

Intencionalmente uso o espanholismo concertação para batizar esse possível entendimento, numa alusão ao pacto acordado no Chile entre os grandes partidos daquele país, que lhe permitiu a invejável estabilidade política, econômica e social que o privilegia como exceção na América Latina de hoje.

O entendimento político se faria, primordialmente, na área econômica, em particular na área macroeconômica, a partir do pressuposto de que a conjugação de crescimento elevado com inflação baixa, conquanto não seja suficiente, é no entanto condição necessária para a solução dos nossos graves problemas sociais.

O nó a ser desatado consiste na necessidade atual de manutenção da taxa de juros elevada, que controla a inflação mas impede o crescimento. É preciso, assim, encontrar a fórmula que permitirá baixar os juros sem desencadear um processo inflacionário.

Creio que a proposta do deputado Delfim Netto, de superávit nominal zero, pode servir de ponto de partida para a negociação, porque me parece basicamente correta. O nó górdio macroeconômico só pode ser desatado se for cortado, mediante a conjugação de aperto fiscal com afrouxamento monetário, como propõe o deputado.

Onde ele erra, a meu ver, é no modus faciendi que sugere, de eficácia duvidosa e de difícil viabilização política. A começar pela fixação de um prazo para o atingimento do déficit zero, o que poderia engessar a política monetária. Já o aumento do percentual da DRU, via emenda constitucional, além de não dar, na prática, a flexibilização orçamentária que se pretende, dificilmente passaria no Congresso, pela forte reação que provocaria, ao mexer, teoricamente, nos gastos com educação e saúde.

Penso que o objetivo da proposta Delfim poderá ser alcançado seguindo-se um caminho menos pedregoso, principalmente se pavimentado por um prévio acordo político. Consistiria na aprovação, para o exercício de 2006, de uma proposta orçamentária austera e veraz, com a elevação do superávit primário para 5% do PIB. A ser alcançado pelo corte drástico dos gastos de custeio, tais como cargos comissionados, viagens e publicidade, assim como de renúncia, pelos parlamentares, às emendas individuais. Sem descartar o corte de investimentos, se necessário.

Paralelamente, o Copom faria uma gradual, mas sistemática, redução da taxa de juros, possível graças ao lançamento da âncora fiscal. Se, apesar do corte de gastos públicos, a redução dos juros propiciar, como se espera, uma elevação do crescimento econômico, no próximo ano, para algo em torno de 4% do PIB, teremos um aumento proporcional da arrecadação tributária. Somadas, de um lado, a diminuição das despesas financeiras, pela redução dos juros, e de outro lado, a elevação real da receita, graças ao crescimento da economia, começaria a cair o déficit nominal. E ganharia celeridade a melhoria da relação Dívida x PIB. O importante é que a concertação seja feita, para que o nó seja desatado.

Não dá para esperar muito. Algo me diz, neste começo de século, que o Brasil tem uns vinte anos, se muito, para decidir o seu destino. Nas duas próximas décadas, ou nos tornamos uma sociedade plenamente desenvolvida ou nos condenamos ao limbo histórico de um subdesenvolvimento talvez irremediável.

JEFFERSON PÉRES é senador (PDT-AM).