Título: Oposição estranha coincidências em entrevistas
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Fonte: O Globo, 19/07/2005, O País, p. 8

Uso da expressão `caixa dois¿ pelo presidente seria sinal de combinação dos discursos de petistas e de empresário

BRASÍLIA E PARIS. A oposição classificou de trilogia as entrevistas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do empresário Marcos Valério e do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares nos últimos dias. Os oposicionistas estranharam o fato de Lula, na França, numa entrevista concedida às 11h de Paris (6h no Brasil), ter falado em uso de ¿caixa dois¿ pelo PT ¿ sem usar esta expressão ¿ e dizer que isso é prática sistemática no Brasil. Na sexta-feira à noite, numa entrevista à Rede Globo, no Brasil, Valério admitira que fazia caixa dois com o PT, o que foi confirmado no sábado por Delúbio, também em entrevista à GLOBO. A entrevista de Lula só foi ao ar domingo, no ¿Fantástico¿.

Os governistas afastam a hipótese de ter havido uma combinação, mas dizem que Lula errou ao generalizar a existência do caixa dois.

O tucano Jutahy Junior (BA) acusou Lula de comprar a versão de Delúbio de que o dinheiro movimentado nas contas das agências de Valério seriam de empréstimos bancários:

¿ As três entrevistas são uma trilogia: o poderoso chefão 1, 2 e 3. É inconcebível para um presidente da República comprar essa versão. Estão querendo dizer que tudo é crime eleitoral, o que não é verdade. O que há é uma formação de quadrilha, de corrupção no governo. Lula tentou dizer que é só crime eleitoral, mas é dinheiro público ¿ alfinetou.

¿ A oposição pode até ver combinação nas entrevistas. Mas queremos que Lula saia dessa crise com credibilidade. Temos de acreditar que ele falou de boa-fé ¿ afirmou o líder do PSB, Renato Casagrande (ES).

Para petista, há clara evidência de combinação

O petista Antonio Carlos Biscaia (RJ) disse que há clara evidência de que Delúbio e Valério combinaram a versão. Ele não acredita que Lula faça parte da combinação, mas criticou as afirmações do presidente sobre caixa dois. Já o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), disse esperar que as explicações sejam a verdade.

¿ A versão é combinada se é a verdade. Espero que seja o que está ocorrendo.

A justificativa do Planalto é de que a entrevista com Lula foi pedida há semanas pela repórter Melissa Ribeiro, interessada em gravar um perfil para a emissora de TV France 2, para o programa ¿Envoyé Spécial¿, com personalidades internacionais. A entrevista foi concedida nos jardins da Residence Marigny, onde Lula estava hospedado. Assessores disseram que as perguntas sobre a crise não estavam previstas e que o presidente, depois da entrevista, teria reclamado com assessores pelo fato de o tema ter sido abordado.

No Planalto, causaram mal-estar as declarações de Lula de que o PT "fez o que se tem feito sistematicamente no país". A afirmação foi considerada "infeliz e muito ruim". O presidente estava acompanhado na viagem pelo presidente do PT, Tarso Genro, que teria mantido contatos com o Brasil para saber a situação no partido.

Produtora passou cinco semanas em Brasília

Melissa Monteiro, dona de uma desconhecida produtora independente, a Melting Pot Production, disse que o Planalto sabia que ela era de uma produtora independente, e que a entrevista seria, em princípio, vendida para a France 2, a principal televisão pública francesa. A entrevista original não foi de 11, mas de 23 minutos, e nela foram abordados outros assuntos, como política externa e a relação Brasil e França. A jornalista trabalhava há semanas num documentário sobre Lula. Ela passou cinco semanas em Brasília em junho tentando falar com o presidente, que, por causa da crise, não a recebeu.

Ela disse que quando soube que a France 2 aproveitaria mal o material ¿ usaria um minuto da entrevista ¿ decidiu não vendê-la à TV francesa e ofereceu-a à TV GLOBO. Melissa diz que o Planalto não tinha idéia de que iria parar na TV GLOBO:

¿ A France 2 é uma cliente possível de minha produtora. Fui a Brasília como jornalista francesa e não como brasileira, querendo fazer um documentário. Ouvi o que Lula tinha para falar como jornalista francesa. Se tivesse ouvido como brasileira, minhas perguntas seriam diferentes. O detalhe da política brasileira não interessa ao público francês.

A France 2 confirmou que dissera à brasileira que, se conseguisse a entrevista, estaria interessada, mais ainda se falasse de corrupção. Jornalista de política exterior da France 2, Giles Rabine disse que nunca recebeu a entrevista.

¿ Teríamos gostado de divulgar a entrevista, mesmo na sexta-feira ¿ disse, confirmando que ela seria curta: entraria numa reportagem de pouco mais de dois minutos sobre a visita de Lula.