Título: MAIS ESTUDO, SALÁRIO MENOR
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 20/07/2005, Economia, p. 23

Com disputa acirrada por vaga, trabalhador mais qualificado aceita remuneração baixa

Paulo Henrique de Jesus está há quatro meses desempregado. Com o ensino médio completo, o que representa 11 anos de estudo, ele perdeu a vaga que preenchia há oito anos de encarregado numa transportadora de valores, ganhando R$800. Desde então e com 50 currículos já distribuídos, só encontra oferta para ganhar R$300, um salário-mínimo. E aceitou trabalhar por isso, sem carteira assinada, como garçom numa casa de festas para fazer frente às despesas:

- Só de aluguel gasto R$230. Não sei como vou fazer quando acabar o auxílio-desemprego.

O caso de Jesus foi uma das explicações encontradas pelo economista Marcelo de Ávila, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), para o rendimento médio real do trabalhador estar no mesmo nível de um ano atrás: R$932,80. A oferta abundante de mão-de-obra (são 2,243 milhões de desempregados apenas em seis regiões metropolitanas) obriga o trabalhador a aceitar salário menor, mesmo sendo bem qualificado. E as estatísticas comprovam isso. O mercado só absorveu trabalhadores com mais de oito anos de estudo de junho de 2004 até maio deste ano. Até esse grau de escolaridade, as vagas sumiram: foram menos 83 mil ocupados no período.

Economista do Ipea: 'As empresas acabam se beneficiando'

Esse perfil de expansão do emprego ficou mais presente este ano. Entre 2003 e 2004, 60 mil trabalhadores com quatro a sete anos de estudo conseguiram uma ocupação. No último ano (junho de 2004 a maio de 2005), num movimento inverso, 36 mil perderam as vagas:

- Das 737 mil ocupações criadas de junho do ano passado até agora, 727 mil foram de pessoas com 11 anos de estudo ou mais. Esse pessoal, que costuma ser mais bem remunerado, está aceitando ganhar menos. Caso contrário, o rendimento estaria crescendo. Com isso, as empresas acabam se beneficiando com a contratação de pessoas mais qualificadas com remuneração mais baixa, dado o grande excedente de mão-de-obra - disse o economista do Ipea.

Esse fato vai de encontro a uma interpretação que prevalecia nos anos 90, de acordo com o economista da Unicamp Marcio Pochmann:

- Acreditava-se que o rendimento do trabalho não subia diante da baixa qualificação da mão-de-obra. Era um discurso recorrente. Porém, o período longo de baixo crescimento acirrou de tal maneira a competição que mesmo as pessoas de mais escolaridade começaram a aceitar funções que depreciam sua formação.

No setor formal, vagas apenas até três salários-mínimos

A abertura de vagas que exigem formação menor também tem influência na queda do salário do trabalhador. Pochmann analisou os anos 90 e verificou que 70% das vagas criadas foram para o serviço doméstico, para ambulantes, asseio e conservação e segurança pública e privada:

- Pelo visto esse padrão está se repetindo no século XXI.

Pelo levantamento de Ávila, essa conclusão é verdadeira. Serviço doméstico foi o que mais empregou no último ano. Foram 162.620 ocupados a mais, ganhando em média R$316,80:

- É o efeito composição que também reduz o salário.

Com dez anos de estudo, a arrumadeira Márcia Alvim não conseguiu voltar a ganhar os R$600 que recebia num hotel. Ela espera agora uma vaga em que não seja necessário trabalhar aos domingos, mas nem pensa mais em ganhar de novo os R$600:

- O que aparece é para ganhar R$300 - reclama Márcia.

Esse padrão não surpreendeu o diretor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia. Segundo ele, o trabalhador deve amargar este ano o oitavo ano seguido de retração no rendimento real:

- A economia está crescendo pouco. A ocupações que aparecem são de baixa qualidade. Na melhor das hipóteses, o rendimento deve ficar estagnado.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) também mostra rendimento em queda. Do 1,467 milhão de vagas com carteira assinada abertas de junho a maio, 919 mil foram entre um e 1,5 salário-mínimo. De três salários para cima, houve corte de 252 mil postos.

inclui quadro: conheça o mercado de trabalho / emprego formal em todo país