Título: Deputados na boca do caixa
Autor: Bernardo de la Peña, Gerson Camarotti e Ilimar Fra
Fonte: O Globo, 20/07/2005, O País, p. 3

Quebra do sigilo de empresas de Valério comprova saques do PT, do PP, do PL e do PTB

Os documentos referentes à quebra do sigilo bancário do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser o operador do mensalão, revelaram ontem aos integrantes da CPI dos Correios que o dinheiro que jorrou das contas da agência de publicidade SMP&B no Banco Rural irrigou diversos partidos aliados no Congresso. Ficou comprovado, com a análise inicial de 20% dos documentos de apenas uma das contas de Valério, que dirigentes, parlamentares ou assessores de PT, PP, PL e até do PTB do deputado Roberto Jefferson (RJ), autor da denúncia de pagamento a políticos aliados, receberam dinheiro. Às 22h, a CPI já tinha identificado 38 nomes, além de saques nas contas da SMP&B e da DNA Propaganda, também de Valério, que somam R$25 milhões. Seriam R$20,644 milhões retirados da SMP&B e R$4,457 milhões da DNA.

Com a abertura de apenas parte das caixas de documentos recebidas do Rural - as que chegaram do Banco do Brasil ainda estavam fechadas até o início da noite de ontem - a CPI encontrou dezenas de saques feitos diretamente por dois deputados, Carlos Rodrigues (PL-RJ) e Josias Gomes da Silva (PT-BA), e por assessores ou parentes de outros quatro deputados: os líderes do PT, Paulo Rocha (PA), e do PP, José Janene (PR), do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) e do deputado Paulo Delgado (PT-SP).

Documentos obtidos pelo GLOBO comprovam que a a mulher de João Paulo, a jornalista Márcia Regina Milanesi Cunha, fez pelo menos uma retirada de R$50 mil em dinheiro na agência do Rural, em Brasília. O saque foi realizado em 4 de setembro de 2003, no mesmo período em que a SMP&B disputava licitação na Câmara, durante a gestão de João Paulo.

A agenda de Fernanda Karina Somaggio, ex-secretária de Valério, registra três encontros do publicitário com João Paulo em setembro e outubro de 2003. Em 3 de setembro, véspera do saque, Valério tomou café da manhã com o então presidente da Câmara na residência oficial, em Brasília. No dia 15 foi publicado edital para a contratação de agência de publicidade na Câmara.

Mineiro recebeu R$4,9 milhões

Até agora, o segundo maior beneficiado pelos saques é o mineiro David Rodrigues Alves, que recebeu R$4,9 milhões. Alves recebeu somente entre março e maio de 2003 R$3,3 milhões. Foram 11 saques no valor de R$300 mil. A CPI investiga quem é ele. Mas não foram apenas os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que receberam dinheiro do publicitário: um assessor do ex-ministro Pimenta da Veiga também faz parte da lista.

Pelos dados analisados até ontem à noite, a pessoa que mais havia retirado dinheiro da conta da SMP&B era a gerente financeira da agência, Simone Vasconcelos. Até as 21h de ontem, os saques em nome dela chegavam a R$9 milhões.

Entre os assessores de políticos, segundo integrantes da CPI, a maior quantia sacada foi entregue a João Cláudio Genu, ligado ao líder do PP na Câmara, José Janene: R$1 milhão, ainda de acordo com dados preliminares.

Já a assessora de Paulo Rocha, pelas contas dos parlamentares, sacou pelo menos R$320 mil. O ex-tesoureiro do PL Jacinto Lamas, segundo os documentos, fez saques totalizando R$200 mil. Uma das retiradas foi em 18 de novembro de 2003. Já Raimundo Ferreira, que é dirigente do PT do Distrito Federal, sacou R$100 mil.

O que surpreendeu deputados e assessores da CPI foi o fato de constar dos documentos enviados pelo Rural uma cópia da carteira de parlamentar do deputado Josias Gomes da Silva (PT-BA), que sacou por duas vezes R$50 mil, uma delas numa agência do Rural no Rio e outra na agência de Brasília. Outro deputado que aparece no material é o ex-líder do PL na Câmara, Carlos Rodrigues, que recebeu R$150 mil de acordo com os documentos recebidos pela CPI.

Apontado inicialmente como assessor do deputado Vicentinho (PT-SP), por levantamento feito pelo PFL, Jair dos Santos, que aparece entre as pessoas que sacaram dinheiro, é na verdade ligado ao ex-presidente do PTB José Carlos Martinez, morto em outubro de 2003, e figura como vogal da executiva nacional do partido. Ele aparece como destinatário de um saque no valor de R$200 mil em 18 de dezembro de 2003. De acordo com relato recebido por integrantes da CPI, Santos teria sido motorista de Martinez e se tornou uma pessoa de sua confiança. Pela lista de pessoas que estiveram na agência do Rural, em Brasília, Santos foi ao banco em cinco ocasiões.

O presidente do PT no Distrito Federal, Vilmar Lacerda, também sacou R$50 mil no Rural. Há entre os documentos recebidos pela CPI um bilhete de Geiza Dias para a gerente financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, dizendo que ele não foi retirar um dos saques combinados. Lacerda, entretanto, já admitiu ter recebido dinheiro.

- Lamentavelmente, aquilo que Jefferson diz é tudo verdade. O governo pode desistir da sua Operação Paraguai - afirmou o deputado pefelista Onyx Lorenzoni (RS), logo após analisar os documentos.

A CPI investiga ainda se David Alves seria assessor da Secretaria de Planejamento do governo de Minas. O líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP), informou ontem que ele não tem relação com o atual governo do tucano Aécio Neves.

- Ele não tem nada a ver com o governo de Minas. Nós checamos e a informação que recebemos de lá é de que ele não trabalha no governo - disse Goldman.

O outro destinatário do dinheiro da SMP&B que teria relações com os tucanos é Paulo Menecucci, que foi secretário de serviço de radiodifusão do Ministério das Comunicações em 1999, secretário-executivo do ministro Pimenta da Veiga em 2000 e diretor de Tecnologia e depois Comercial dos Correios entre 2001 e 2003.

O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) disse ontem, após análise dos documentos, que a CPI não tem volta e que não dá para abafar mais nada, nem que chegue a outros partidos, inclusive o seu. Referia-se ao fato de terem aparecido nomes de pessoas ligadas a tucanos.

-- Não dá para abafar nada nem para ter receio de chegar em governo anterior. Há uma questão que se armou neste governo, mas vai ter efeito bumerangue. Uma punição não pode impedir outras.

INCLUI QUADRO: O QUE JEFFERSON DISSE