Título: 'Delúbio precisa fazer caixinha'
Autor: Jailton de Carvalho e Jorge Bastos Moreno
Fonte: O Globo, 22/07/2005, O Pais, p. 3

Gravações mostram cúmplice de Arrieta conversando sobre pagamentos de ex-tesoureiro ao PTB

Um relatório reservado do Ministério Público Federal poderá complicar ainda mais a situação do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, do deputado José Dirceu (PT-SP), do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e de outros políticos investigados por suposto envolvimento com o mensalão. Trechos do documento, obtido pelo GLOBO, mostram integrantes da organização do argentino César de la Cruz Arrieta, especializada em fraudes contra a Previdência e a Receita Federal, conversando sobre a formação de caixinha para a compra de apoio político na Câmara e citando os nomes de Delúbio, Dirceu e Jefferson. Os integrantes da Máfia da Previdência ainda fazem referência ao Banco Rural nas conversas e citam os nomes de outros políticos.

O conteúdo do relatório, que será encaminhado ao procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, e depois à CPI dos Correios, é considerado explosivo. As conversas do grupo de Arrieta, transcritas no documento, foram gravadas com autorização judicial em janeiro deste ano. Ou seja, seis meses antes de estourarem as denúncias do mensalão do PT para parlamentares da base governista virem à tona. Os diálogos mais comprometedores são de Márcio Pavan, braço-direito de Arrieta, com dois interlocutores identificados como Marcelo, contato da organização em Brasília, e Dênis.

Conhecimento do mundo político

Numa impressionante demonstração de conhecimento do bastidores do mundo político, o grupo trata até da arrecadação dos R$10 milhões que o PT teria pago ao PTB de Jefferson. Numa conversa de sete minutos com Dênis no dia 26 de janeiro, Pavan faz a primeira citação sobre os R$10 milhões que o PT estaria arrecadando para dar ao PTB. Pavan cita o Banco Rural e pergunta, em linguagem cifrada, sobre uma determinada conta. "É da Câmara dos Deputados, do 001 que tem de levantar dez (milhões) para fechar com o trabalhista e os outros lá, que é encomenda do 001, só que está faltando R$70 mil e que já mandou R$50 mil de um outro negócio que estão conduzindo pra gente", responde Dênis.

Pavan quer saber se quem está fazendo o pedido do dinheiro é "o Zé". "Não tem nada a ver, é o próprio, o tesoureiro", reage Dênis numa suposta citação de Delúbio. O pedido também teria sido endereçado a um cliente de Dênis interessado num financiamento do BNDES. Mais adiante Pavan quer saber quanto eles terão que desembolsar. "É 70 mil para fechar os dez milhões na segunda-feira", responde Dênis.

Favorecimento em Goiânia

Pavan concorda, mas pede explicações sobre a contrapartida que o grupo vai receber. "Vai dar o aval da CPR, lógico que ele vai cobrar mais depois. Mas querem travar ele para poderem defender ele lá em cima que vai ter que ir pro Ricardo", responde Dênis de forma cifrada. "É f... dar dinheiro na frente. Depois, pra atender, vai ser um parto", reclama Pavan. Mais adiante, na mesma conversa, Pavan e Dênis mencionam uma manobra na Prefeitura de Goiânia para abrir uma vaga na Câmara para um irmão de Delúbio, suplente de vereador.

Numa segunda conversa, gravada no dia 27 de janeiro, Pavan informa a Marcelo como estão as negociações entre Dênis e o então tesoureiro do PT. "Ele (Dênis) pediu ajuda para acertar o negócio com o Delúbio, que no miolo é Tarcísio e Aucelis. O Delúbio precisa fazer uma caixinha perto dos rolos que ele fez, quer 70 mil reais". Marcelo responde que o "homem forte está precisando de troco, está fazendo caixa para o PTB para ganhar a eleição da Câmara". Pavan diz, então, que o dinheiro sai depois do "milagre" e, logo em seguida, cita o "milagre do BVA", um banco cuja sede se localiza no Rio de Janeiro.

Numa segunda conversa, no mesmo dia 27 de janeiro, Pavan diz a Marcelo que está aguardando uma reunião com José Dirceu, naquele período o todo-poderoso chefe da Casa Civil. "Estou no aguardo de uma conversa com o próprio Zé Dirceu, assunto do Goiabeira. Ficou de marcar até o fim da semana. Hoje teve uma explicação com o assessor. Ele designou uma pessoa, o primo dele". Marcelo sustenta ainda que, se tiver abertura, vai levar "um pergaminho de coisas".

No dia 9 de fevereiro, Pavan e Marcelo voltam a conversar sobre a arrecadação de dinheiro para a compra de apoio político. "O cara tá querendo uma grana. Está apoiando o Virgílio para presidente da Câmara". Mais adiante diz que o deputado, tratado como "o cara", precisa de 50 mil. Pavan comenta, então, que tiveram que dispensar o Delúbio. "Esse Delúbio juntou R$10 milhões para o PTB. Esse dinheiro é para o Ricardo (sic) Jefferson para ele acomodar a gurizada dele na Câmara".

As conversas entre Pavan, Marcelo e Dênis foram gravadas durante uma investigação do Ministério Público Federal sobre supostas fraudes da organização de Arrieta contra a Receita Federal. No início de abril, depois de uma longa apuração, a Polícia Federal deflagrou a Operação Tango e prendeu todos os integrantes do grupo. Arrieta e Pavan estão presos deste então. Os dois respondem processo por um dos maiores esquemas de vendas fraudulentas de títulos vencidos do Tesouro Nacional.

Advogado do BVA nega contribuição

O processo está em curso no Tribunal Regional da 4ª Região, em Porto Alegre. Mas, muito antes de ser preso por envolvimento no esquema de venda de títulos, Arrieta foi investigado e esteve preso também por fraudes contra a Previdência. Depois da advogada Jorgina de Freitas, Arrieta é apontado pela Polícia Federal como um dos principais fraudadores da Previdência Social no país.

Segundo os responsáveis pela Operação Tango, o grupo de Arrieta montou no Rio Grande do Sul uma base para vender títulos podres do Tesouro Nacional. Os títulos eram vendidos com vantajosos deságios para a bancos e empresas quitarem débitos com o Fisco. Foi a partir dessas investigações que a polícia começou as investigações sobre as fraudes.

Luiz Carlos Maranhão, um dos advogados do BVA, confirmou que banco comprou aproximadamente R$5 milhões em títulos podres do grupo de Arrieta.

- Mas não houve nenhum contato, nenhuma contribuição para políticos - afirmou.

FRAUDES EM RITMO DE TANGO

O argentino César de la Cruz Mendoza Arrieta, que já foi condenado no Brasil por um dos maiores golpes da história da Previdência, foi preso no dia 11 de abril deste ano em Porto Alegre, durante a Operação Tango, deflagrada pela Polícia Federal. Ele estava com outras 12 pessoas, que integrariam a sua quadrilha, acusada de fraudes contra o sistema financeiro e a administração pública, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Na ocasião, a PF também capturou em cinco estados advogados e contadores acusados de fazer parte do esquema.

Segundo as investigações, a quadrilha procurava empresas em má situação financeira para oferecer créditos tributários que poderiam ser usados no pagamento de débitos, principalmente com a Receita. A quadrilha tinha como clientes grandes empresas. As operações envolveram cerca de R$2,5 bilhões. A quadrilha operava através de uma empresa fria, a Vale Couros Trading, do Rio Grande do Sul, adquirida em junho do ano passado pelo falido Banco Santos.

Além do uso de créditos fictícios, a fraude acontecia através da sonegação do Imposto de Renda na liquidação de CDBs, cujo valor integral era repassado pelos bancos à quadrilha.

A CPI da Previdência, que em 1993 investigou fraudes contra o INSS, descobriu que Arrieta era um dos maiores fraudadores do órgão, responsável por um rombo de US$3 bilhões. Ele foi acusado de comandar uma quadrilha que fraudava o parcelamento de dívidas de contribuições previdenciárias de empresas e acordos administrativos para ações de revisão de benefícios no Rio.

Foram quatro ações penais, quatro execuções fiscais e 86 dias de prisão. Mas Arrieta não parou. Em 2003, quase oito anos após ter sido solto no Rio, voltou a agir, segundo a PF.

A prisão de Arrieta foi decretada pela primeira vez em novembro de 1994. Ele foi preso em maio de 1995 e, em junho, a Justiça lhe concedeu um hábeas-corpus. Em outubro, voltou para a cadeia, mas foi solto em janeiro do ano seguinte: a Justiça, desta vez, alegou que havia falhas no decreto de prisão preventiva.

Em fevereiro de 2004, a Justiça Federal o condenou a 16 anos de reclusão.