Título: PETISTAS, ONDE ESTAIS?
Autor: Gustavo Ioschpe
Fonte: O Globo, 22/07/2005, Opinião, p. 7

Ouvindo, lendo e conversando com petistas, concordando ou discordando de suas posições, sempre tive - assim como muitos outros, tenho certeza - a impressão de se tratar de um partido diferente. Que não fazia a política rastaqüera, a politicagem. Que tinha os interesses do país em mente, tinha uma visão da res publica. O eventual desacordo ideológico não tirava dessa agremiação o mérito de ver o partido e a política como meios, e não fins. O poder como um instrumento de transformação, não como objeto de cobiça.

Os líderes partidários podiam estar envolvidos em "bravatas", mas não tenho dúvida de que as bravatas propugnadas por esses líderes eram cridas pelos militantes. Alguns caciques podiam estar engajados em campanhas eleitoreiras com o "fora, FHC", mas tenho certeza de que a base defendia a idéia por estar piamente convencida do mal que ele fazia à nação. A chefia poderia querer apenas obstruir a agenda do Planalto com seus intermináveis pedidos de CPI e brados pela moralidade no governo passado, mas essas demandas ecoaram na planície apenas por traduzir um desejo profundo dos reclamantes.

Se as tentativas, por parte desses líderes agora acusados, de acobertar as investigações em curso são compreensíveis por seu caráter autopreservatório, o mesmo não se pode dizer do silêncio dos milhares de filiados e simpatizantes do PT país afora.

Alguns estão vitimados pelo torpor e pela descrença, sentindo-se traídos e perdidos. Outros se agarram a essa esdrúxula teoria conspiratória de que as denúncias de corrupção seriam prenúncio de golpe dos setores conservadores contra o governo de esquerda ou, em versão mais branda, manobra eleitoreira da oposição. Basta dizer, para desmontar essas sandices, que este não é um governo de esquerda. Os setores conservadores nunca estiveram tão bem servidos (que não abandonem agora os petistas o materialismo dialético: basta notar que o número de milionários no Brasil cresceu 7,1% em 2004). E as denúncias partem da base aliada do governo, não da oposição.

Está na hora de os petistas desenganados abandonarem a descrença, a raiva ou a timidez e voltarem a ter em mente o interesse nacional, instando seus líderes a fazer o mesmo. Exigindo, publicamente, que se investiguem a fundo as denúncias dos crimes para os quais hoje há suspeitas e fortes indícios e punam-se os culpados dos eventuais delitos e daqueles já confessados.

Devem fazê-lo não só por uma questão de coerência histórica ou por ser bom para o país, mas porque é bom ao próprio partido, e indispensável à sua recuperação. E o Brasil precisa de um partido sério de esquerda. Um partido que preze a coisa pública e que sirva de representante das camadas tradicionalmente abandonadas da população. Um partido que ajude a repensar o Brasil e sirva de contraponto à triste política econômica que vem sendo aplicada ao país nos últimos vinte anos. E que o faça sem a arrogância dos monopolistas da ética e sem o desprezo pela República daqueles que ainda não abandonaram o modus operandi bolchevista.

E para que o PT sobreviva, é preciso que seus membros parem de atacar os espectros que rondam as imaginações férteis e estejam dispostos a examinar suas próprias práticas, sem tentar se eximir de suas culpas transferindo-as aos outros ou ao "sistema". Precisam abandonar o complexo de superioridade e submeter-se ao verdadeiro rito democrático, respeitando a vontade pública e prezando o funcionamento das instituições.

Porque, vejam, se as investigações continuarem sendo abafadas ou acobertadas com histórias da carochinha e se mostrarem inconclusivas, a suspeita constante continuará minando e sangrando o partido até sua agonia. Perdido o norte mudancista e a reputação ética, o que restará ao PT senão uma triste, ignominiosa extinção?

Se, por outro lado, as investigações apontarem a culpabilidade dos acusados nesse grande esquema de corrupção, o partido sofrerá um baque, claro. Mas, tendo a investigação a participação de militantes e líderes menores, estes podem sair com a cabeça em pé, e comandar um processo de depuração do partido ou de sua cisão. Serão respeitados e reconhecidos como corajosos defensores do interesse coletivo, como já o são líderes como Eduardo Suplicy, dentro do partido, e o trio dele recentemente expulso. Se as investigações forem conduzidas com o antagonismo do partido e seus quadros, porém, seu comprometimento será total. Permanecer acomodado em frente a uma confissão explícita de caixa 2 é uma aceitação tácita desse comportamento que, tenho certeza, é abominado pela maioria dos militantes.

O PT trava agora uma luta por sua sobrevivência política. Se continuar insistindo na história de um tesoureiro maluco agindo sem o conhecimento do partido, não sobrará partido nas urnas, pois seus líderes seriam ou mentirosos ou demasiado inoperantes para governar. Se quiser culpar os outros por seus próprios pecados, a História lhe será madrasta: perigam ir dormir convocando passeatas em verde e amarelo e acordar envoltos por um mar negro.

GUSTAVO IOSCHPE é cientista político.