Título: Um golpe no tráfico pelo Orkut
Autor: Elenilce Bottari/Ronaldo Braga
Fonte: O Globo, 22/07/2005, Rio, p. 14

Presos dez universitários acusados de vender drogas

Para esses jovens, bala quer dizer ecstasy e fortalecer significa distribuir a droga sintética numa festa. Para a polícia, ecstasy quer dizer droga e distribui-la é tráfico previsto na lei como crime hediondo. Após três meses de investigações, com escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, o Serviço de Repressão a Entorpecentes (SRE) de Niterói, da Polícia Civil, realizou anteontem e ontem uma operação para capturar 14 pessoas - universitários de classes média e média alta de Niterói e do Rio - acusadas de traficar drogas pelo site de relacionamentos Orkut. Dos 14 mandados de prisão, dez foram cumpridos. Os quatro acusados que conseguiram escapar são considerados foragidos.

O grupo - que vendia ecstasy, LSD, skank, maconha e crack - fazia a entrega em bares, restaurantes e festas raves em Niterói, no Rio e em municípios da Região dos Lagos, como Búzios, Cabo Frio e Arraial do Cabo. Os investigadores têm informações de que o ecstasy, o LSD e o skank vinham de Amsterdã e Berlim.

Além de gravar telefonemas, os investigadores filmaram o grupo vendendo drogas em bares de Niterói. Caso sejam condenados por tráfico e associação para o tráfico, os acusados podem ser punidos com até 15 anos de detenção.

Apontado pela polícia como um dos chefes da venda de drogas pela internet, Amon de Magalhães Lemos, de 19 anos, foi preso na noite de quarta-feira em Búzios. Na página dele no Orkut, há um link para uma comunidade chamada "Bin Laden cheira lança", para quem gosta do terrorista e/ou de lança-perfume. Com Giovanni Arnoud Nicastro, de 24 anos, preso no bairro de São Domingos, em Niterói, foi apreendida uma pistola calibre 380. Durante a operação também foram encontradas drogas como maconha, cocaína e skank.

Não está descartada a possibilidade de o grupo ter ligações com dois universitários, presos no dia 18 passado em São Paulo, que também negociavam comprimidos de ecstasy. Os jovens, de classe média, eram ligados a uma quadrilha internacional. Eles foram presos quando negociavam a venda da droga. Segundo investigações, os dois compravam o ecstasy na Holanda e o revendiam em São Paulo. Numa das viagens, teriam trazido cerca de cinco mil comprimidos. Só este ano, policiais paulistas prenderam em média um jovem por dia acusado de envolvimento com a venda de ecstasy.

- Foi um trabalho minucioso - disse o delegado Luiz Marcelo, do SRE de Niterói. - Esses rapazes não acreditavam que a polícia estava preparada para prendê-los. Filmamos e gravamos conversas. Ele achavam que ficariam impunes.

Para ele, por causa do tamanho pequeno do ecstasy, seu tráfico é mais fácil que o de outras drogas.

- O perfil do consumidor é o mesmo de quem vende - disse o policial.

Sites estrangeiros também são usados

Os investigadores do SRE explicaram que no Orkut existem até leilões virtuais de determinadas drogas, em que o preço é livremente discutido. Ainda segundo os policiais, links remetem os usuários para sites estrangeiros que enviam drogas para qualquer lugar do Brasil pelo correio.

Antes de chegarem aos estudantes, os investigadores vasculharam o Orkut:

- Essas páginas contam com cerca de 5.500 participantes. Alguns oferecem comprimidos do ecstasy por R$30 a R$40. Mas o preço pode chegar a R$60. Para a venda e a compra, os usuários fazem as negociações por e-mail - disse o delegado Luiz Marcelo.

Segundo ele, é difícil chegar aos traficantes por causa da velocidade com que comunidades surgem no Orkut. O anonimato dos internautas também dificulta as investigações.

- Uma das medidas que a delegacia vem tomando para combater o tráfico na internet é o envio de ofícios para que o Google retire do Orkut as comunidades ilegais - disse.

Uma das equipes do SRE seguiu ontem para um prédio na Rua Lopes Trovão, em Icaraí, onde foi preso Bruno Marini Mendes da Silva, de 25 anos. Seus pais estavam dormindo e foram surpreendidos com a operação. Outra equipe foi para a Rua Belisário Augusto, no mesmo bairro, mas o suspeito não estava em casa. Tiago de Vasconcelos Tauil, de 23 anos, só foi preso às 7h, quando chegou em casa de uma festa em Piratininga. Ele é apontado pela polícia como um dos principais distribuidores de ecstasy em Niterói, na Zona Sul do Rio e na Região dos Lagos, juntamente com Amon Lemos.

Na casa de Giovanni, além da pistola, os investigadores encontraram uma pequena quantidade de skank.

- Giovanni estava em Piratininga, numa festa de hip hop. Ele é um grande traficante de Niterói - disse o inspetor Fábio Silva.

Na casa de Gerson da Silveira Castanheira Júnior, de 26 anos, em Icaraí, os policiais encontraram três quilos de maconha. Também foram presos Rodrigo Alvarenga dos Santos, de 25 anos; Enrique Dario Shiff, de 27; Guilherme Caldeira Dal Bello, de 25; Anielo Caputo Filho, de 29; e André Koeller Archiles, de 26. Todos os acusados tiveram prisão temporária (por 30 dias) decretada pela Justiça.

No início deste mês, depois de receberem uma denúncia anônima e investigarem o Orkut, agentes da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática prenderam o estudante Felipe Viana do Carmo, de 20 anos, que também fazia parte do grupo preso ontem. Segundo a polícia, o jovem também usava a internet para divulgar o uso de ecstasy.

COMO PROTEGER OS FILHOS NA REDE

O Orkut - www.orkut.com> - é um site de relacionamento na internet onde só se pode entrar por convite. Normalmente, os usuários mandam para os seus amigos convites por e-mail. Clicando no link do convite que vem na mensagem, a pessoa entra no site do Orkut e começa a criar o seu perfil, informando (se desejar) os dados pessoais e preferências literárias, musicais etc. O site tem milhares de comunidades, abordando os mais diversos assuntos.

O melhor que um pai tem a fazer para saber mais sobre o Orkut é procurar ser convidado para lá, onde pode monitorar de perto a que comunidades seus filhos pertencem e quem são os amigos com quem tem andado. E, se desconfiar de algo ilegal, imediatamente informar à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática: http:// www.delegaciavirtual.rj.gov.br>.

A interface do Orkut já está toda em português e até apresenta, nos perfis, a opção de denunciá-los como falsos. Mas este é um recurso que é lento e ineficaz em se tratando denúncias graves ou urgentes, como no caso do tráfico on-line. O melhor mesmo é chamar a polícia.

'SE TU TROUXER DÁ PRA VENDER A RODO'

Após identificar os jovens acusados de tráfico no Orkut, a polícia interceptou ligações telefônicas deles. Numa conversa, um casal fala sobre a venda de ecstasy. Alguns comprimidos têm gravado o símbolo da Armani; outros, o desenho de um coração.

Mulher: Moreno?

Amon Lemos: Fala.

Mulher: Aquele relógio (referindo-se ao comprimido) que tem da Armani...

Amon Lemos: Armani?

Mulher: É. Eu tô falando que eu quero formar um relógio mesmo.

Amon: Ah, quer vender?

Mulher: É, brother.

Amon Lemos: Ah, tem umas pepitas aqui.

Mulher: Que tem?

Amon Lemos: Coração (...)

Mulher: Eu tô em Búzios. Sábado tem altas festas aqui, mané, se tu trouxer dá pra vender a rodo.

A seguir, outro trecho de conversa. Superman rosa e Volkswagen verde são tipos de ecstasy:

Mulher: Alô, Dal Bello.

Dal Bello: Fala, tudo tranqüilo? (...) Apareceu, cara. Superman rosa e Volkswagen verde. Só que eu não sei qual é do preço ainda, mas tem que agitar logo que é para amanhã.

Mulher: Tá. Vou dar um toque geral.

Dal Bello: Precisa ver aí no Orkut que eu não sei qual é a parada, não.

Legenda da foto: GIOVANNI ARNOUD: preso com pistola